Não sei por que cargas d’água reapareceu-me um ex-namorado lá
dos anos 1990, e já deitava eu na cama com ele. Pelas tantas da madrugada, foi
ele quem começou a conversa.
Já consegues dormir nua?
Se não me engano, desde sempre, retorqui.
Quando vivemos juntos eras muito pudica, dizias não conseguir pegar no
sono caso estivesses sem roupa, sobretudo as roupas de baixo.
Acho que agora sou outra pessoa.
Da cama era possível ver através da janela ampla e aberta os
prédios do outro lado da rua. A maioria não tinha sequer uma luz acesa. Caso
alguém nos olhasse de lá, veria apenas a janela escura. Apesar de verão, um ar
brando penetrava o ambiente e nos refrescava.
Se te comportasses assim naquele tempo, acho que ainda
estaríamos juntos, disse ele.
Assim, como?
Deitar a dormir nua, assim como fazes hoje.
De lá pra cá, passaram-se muitos verões, e com eles muito se
aprende.
E o que mais aprendeste?
Muitas coisas. Mas se queres saber mesmo de roupas, eis. Não
se pode ter muitos namorados e querer mantê-las sobre o corpo, há sempre um que no-las rouba.
Roubaram a roupa de ti?
Isso. Levam as de baixo como troféu, ou como lembrança, lá sei.
E o que de melhor também aprendeste a fazer?, estava ele
curioso.
Alguns tapam-me o nariz e a boca na hora do gozo, não
me querem a respirar.
Aprendeste mergulho sem respirador?
Sempre fui boa de fôlego. Brincam com a possibilidade de
matar a mulher, querem o fio da navalha, ou mesmo o do equilibrista.
Sério?
Mais do que sério.
E como te saíste?
Aprendi a gozar mais, tanto maior a falta do ar.
Ah, isso sei eu, queres sempre cavalgar no gozo, se possível
toda a noite.
Sentou-se na cama e tomou um gole d’água do copo que ficava
à cabeceira.
Ainda tens o costume de beber água à noite? Logo, não
mudaste tanto.
Não, sou o mesmo.
Então, sei que estás a remoer-te de curiosidade. Conto mais.
Os homens não querem só trepar, desejam a fantasia. E já houve quem me roubasse
outras coisas.
O que trazias a mais?
Um cordão, algum dinheiro, um maço de cigarrilhas. O
dinheiro e o ouro acho que queria para comprar alguma droga, ou pagar uma
dívida, quem sabe.
E te meteste com gente assim?
Como saber? O homem é bonito, dá a bisca numa
boate, paga um jantar, depois quer o cordão. E entenda uma coisa dessas.
Deste parte à polícia?
Nada quero com polícias, nem com porteiros de hotel.
Repousou o copo na mesinha, aproximou-se e tocou-me o
cabelo.
E o que há de mais?, ardia o homem.
Houve um que me deixou apenas a sandália e a bolsa. Partiu
antes de mim, e não estava eu onde moro, mas num quarto de hotel.
E o que fizeste?
Liguei à recepção e pedi um mensageiro.
E eles?
Mandaram o rapaz. Dei-lhe dinheiro e disse, vai a uma loja
de esportes e compra a camisa do Porto. Mas do Porto?, rebateu, ainda era um garoto,
aqui todos torcem pelo Benfica.
Não importa. Encontra uma do Porto.
Ele foi e voltou com a camisa. Dei o que prometi: aliás, entendes-me, dei duas coisas, entre elas uma boa gorjeta. Deixei o boy eufórico. Vesti-me e parti. A bolsa no ombro, a sandália nos pés e apenas camisa do Porto.
Fizeste maior sucesso, então?
Na terra de benfiquistas, ser Porto é gozar com o olhar galanteador de todos os homens.
Tornaste esperta. Acho que vou me apaixonar novamente por
ti.
Não faças isso. Já estou na paixão de todos os homens. Do Porto e de Lisboa!
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