terça-feira, agosto 16, 2016
Trinta minutos
Olha, Sirlene, o homem é bonito. Ela ria, três copos de cerveja, ria desbragada. Olha, Sirlene, vamos manter a compostura, modos, podemos desejar, mas discrição acima de tudo. Cruzou as pernas para o outro lado, a esquerda agora sobre a direita. Nas paredes, fotos de cantores, a música paga, jukebox. Quer ouvir de novo, Sirlene? Quanto a ficha? A mesma música mais uma vez, emoção. O homem de costas para o balcão olhava em linha reta. Não sei se a mim ou a ela. Sei que olhava, tenho certeza. Às duas? Talvez. Não, não, às duas não. Sirlene ria, olhou pra mim. Você gostou, hein?, eu disse, na verdade gosta de todos, cada semana um, ou todos ao mesmo tempo, não sei. Ela suspirou duas ou três palavras; quero pagar pra ver. Quatro palavras, afinal. Deixe que ele venha, não precisa avançar tanto, Sirlene, com dificuldade eles gostam mais, traçam planos, estratégias. Lembra a Emengarda? Sei que já está entrada em anos, Emengarda e o vestidão, mas eles não desistem, o que conta é o sorriso enigmático, eles não sabem se avançam ou esperam, se ela sorri pra eles ou pra dentro. Verdade, Sirlene, há mulheres que sorriem pra dentro, tudo pra dentro, isso mesmo, querem tudo ao avesso, não apenas o sorriso, o homem também, o homem pra dentro delas, o prazer assim é maior, o jogo demorado, às vezes a noite inteira, e Emengarda nua às quatro e trinta da madrugada, só tenho meia hora ela diz aos homens, tenho compromisso, eles fazem de conta que não entendem, mas ela goza, e como, lógico que eles também, mas ela não deixa que eles gozem primeiro, sabichona a velha, ou melhor, nem tão velha, madura, ou no ponto, sei lá. Não acredita, Sirlene?, por que então a mulher fica num bar até as quatro e trinta com um copo de guaraná?, além do gozo, a mulher não bebe, juro, nem uma gota, deixa pro gozo, sem bebida é mais intenso. Como sei disso? Lógico que não foi ela quem me contou. As paredes têm ouvido, Sirlene, aliás, têm olhos também. Não se trata de fofoca, mulher, não me dou com fofoqueiras. Sei que a ladeira é cheia delas, mas não me dou com fofoqueira alguma. Verdade, amiga, quem me conta, jura, e não brinca, é pessoa séria. Emengarda tem um segredo. Relato da mesma pessoa, pessoa séria, posso afirmar. Modos, mulher, faz como a Emengarda, pernas fechadas, discrição, no final quando sobra ela e o homem, às quatro e trinta, ela diz só tenho trinta minutos, tenho compromisso. Mas enquanto bebe o guaraná, nada fala, nada de expansões vazias, o homem tem de sofrer, se for fácil, vai embora logo, eles ficam, esperam a hora que ela vai. E só às quatro e trinta, apenas meia hora. Sirlene, calma, ele não vai agora. Está olhando pra mim? É porque sou mais difícil, mulher, não estou me abrindo pra ele, não mostro as pernas num bar, nada de vestido curto, nada de calcinha na bolsa, eles se interessam, depois vem falar ao meu ouvido. Não sei, vou responder espero o namorado. Eles morrem de raiva e de tesão quando ouvem que a mulher espera outro homem. Pagam pra ver, ficam até ela ir embora. Ele não veio, tenho enfim de dizer, me deu bolo. É a única vez que sorrio. Não sabem se é de disfarçada desilusão ou porque fiz que esperassem até quatro e trinta da madrugada, a noite quase perdida. Como Emengarda. Nenhuma de nós dá nada por ela, e sempre trepa mais do que a gente. E de vestidão. Eles não desconfiam que ela se insinua com vestidões. A mulher tem ardil, acaba a noite sempre com um homem, nada de noite perdida, e cada um mais bonito do que o outro. E querem voltar, se deixar querem até morar com ela. Emengarda se transforma quando tira o vestidão. Certa vez deixou um deles tão louco que ele lhe levou o vestidão. Mas ela não ligou, tinha outro em casa. Sirlene, você não escutou o que ele me falou, sei, o jukebox, a música, o volume alto. Você espera por mim? São quatro e trinta, tenho compromisso, apenas trinta minutos, viu, apenas trinta minutos.
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