quarta-feira, março 29, 2017

Todo fogo que tenho

“Eu disse a você, estava na academia”, falei a ele quando saíamos do café. Olhou para mim e sorriu. Percebi na sua face uma ponta de ironia.

“Não foi para mim que você ligou, então.”

Franzi a testa.

“Foi o que falei, tenho certeza”, afirmei.

Riu mais uma vez. Estava na hora de partir. Beijou-me, agradeceu minha presença e se foi.

Enquanto subia ao consultório, comecei a pensar na tal ligação. Será que foi para ele mesmo que liguei?

As aparências enganam, como a maioria das pessoas já sabe. Muitos anunciam tal máxima aos quatro ventos. Na verdade, no entanto, deixam-se enganar. Eu, como muitos constatam, tenho fisionomia de santa, de mulher piedosa, incapaz de fazer algo que fira as pessoas. Uma traição então, nem pensar. Jamais as pessoas concluirão que a pratiquei. Este meu admirador, que acabou de tomar um café em minha companhia numa quarta-feira à tarde, vive me pedindo para sair com ele. Mas não se trata apenas de ir até à rua para tomar um café numa cafeteria qualquer. Ele quer mesmo é me levar para cama. Mas, de acordo com a minha fisionomia e meus argumentos, acabo convencendo-o de que não sou uma mulher vulgar, fácil nos convites para o sexo. Coitado, mal sabe ele das minhas atitudes. Já cheguei a ter três namorados ao mesmo tempo, tudo, porém, na mais alta discrição. Os homens dos quais gosto são os que falam pouco e agem muito. Não precisam tocar no assunto principal para eles, o sexo. Nem no desejo que percebem em mim, o dinheiro. Basta que avancem e que eu perceba os depósitos na minha conta corrente. Não faz mal que não mostrem recibo. O tal do telefone, quando falei que estava na academia, não era o namoradinho que me convidou ao café. Cometi um ato falho. Quem sabe, daí para frente, este irá descobrir o meu segredo. O que posso fazer? Nada. Como sempre, fiz de conta que nada aconteceu, que não entendi. Ainda bem que li Dom Casmurro e compreendi bem os olhos de ressaca de Capitu. Aprendi com ela. Assim, todos os homens caem na minha rede.

Se ele soubesse o caso do hotel, ficaria doidinho. Fui passar uns feriados na praia, no sul do estado. Todo manhã debaixo do sol, toda manhã o banho de mar. Moreninha. Até que surgiu um homem grandalhão. Quase impossível encontrar homens sozinhos em hotéis de praia. Mas eu encontrei. Veio falar comigo no momento em que eu tomava banho de mar. Não esperava encontrar uma quase sereia. Digo quase porque não sou metade peixe. Tenho certeza de que ele preferiu assim. Mas no restante eu estava nua, como as sereias Onde o biquíni? Ah, duas pulseirinhas. Como eu poderia escapar dele? E quem disse que escapar era o meu desejo? Apenas mostrei os olhos. E o mar até que estava pra peixe. O restante? No hotel, ao entardecer. Mas não nego que fiquei nua ao lado dele ao ar livre outras vezes. O homem quase enlouqueceu. Eu amei.

O namoradinho que me convida para o café vai continuar me convidando. Amanhã ou depois ele vem de novo. E eu vou com ele. Quanto ao outro, com quem falei que estava na academia, sempre espera por mim, com seu corpo de homem maduro que já foi atleta na juventude, e com os depósitos que faz na minha conta sem que eu lhe diga que percebo.

O meu namoradinho do café se deixa enganar pelas aparências. Jamais vai saber todo fogo que eu tenho!

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