quarta-feira, setembro 28, 2022

Foi bom entornar o caldo

Um amigo disse que meu namorado me está cozinhando em banho-maria. O motivo foi porque pedi vamos morar juntos, no Miramar; mas o namorado hesitou, acha melhor esperarmos um pouco. Precisa resolver uns problemas. Enquanto isso, vem à minha casa duas ou três vezes na semana e permanece umas duas horas. Meu amigo achou engraçado, “logo você que sempre vive fervendo, agora em banho-maria”.

Ele tem razão, tenho um fogo difícil de apagar. Mas o namorado é tão carinhoso, educado, adora estar ao meu lado, diz coisas que ninguém jamais me disse, por isso acredito, vamos morar juntos. No começo, eu mesma achava melhor cada um na sua casa, mas depois desse tempo com ele, sinto falta quando não pode vir, ou não está ao meu lado.

Um dia desses a Laura telefonou. Um senhor está interessado em você, cochichou. Laura, deixe de conversa fiada, você quer jogar verde, fale a verdade. Nada disso, ela contrapôs, ele pediu mesmo para te dar o número do celular, e olha que o homem está sozinho e é bem de vida. Ufa, não falei nada mais. Um homem sozinho e bem de vida. Me deixa pensar em outra coisa. Gosto do meu namorado, não quero outro homem.

Namoradeira do jeito que sempre fui, mesmo disfarçando, porque nesta cidade onde moro é uma fofocada só, acabou que não consegui deixar de perguntar quem era o sujeito. Ela me pronunciou o nome e o número dele, e eu fingi que não copiei. Não se passaram dois dias, liguei. Não disse quem era, apenas que sabia das intenções dele. Há, você é Eduarda, disse meu nome em um segundo. E contou uma história enorme envolvendo uma viagem, automóvel, dois jantares num restaurante da orla, um banho de mar numa manhã de domingo. Tudo pra dizer no final que tinha me visto e que caía de amores por mim. Telefonei por consideração, falei, estou com compromisso. Não tem problema, rebateu, a vida é cheia de compromissos, a gente vai se falando. E foi o que aconteceu. A gente foi se falando, se falando, até que... até que não aguentei e acabei indo encontrar com ele.

Merece um novo parágrafo. Um senhor de cabelos grisalhos, muito bem cortados, mais para grande, com um vocabulário bonito. É importante saber falar bem. E como ele sabe. Disse-lhe que não poderíamos ir a nenhum restaurante da orla de Cavaleiros, porque logo alguém ia me ver e meu namorado seria informado pelas fofoqueiras de plantão. Ele dirigiu até Rio das Ostras, parou perto da praça da Baleia, onde há vários bares e restaurantes. Entramos num deles, ficamos numa mesa discreta, comemos e bebemos vagarosos, como se todo o tempo do mundo nos pertencesse. Enquanto jantávamos, ele falava sobre vários assuntos, perguntou até se eu gostava de artes plásticas. Veja se em M, a gente aprendeu a gostar de artes plásticas. Enquanto ele narrava as histórias, lembrei um namoradinho de outros tempos, eu vinha com ele pra este mesmo restaurante e depois passávamos a noite numa pousada barata que existe na saída da Costa Azul; fizemos isso duas ou três vezes. Numa delas, saí nua do quarto e fui para a varanda. Ainda bem que não tinha ninguém no pátio da pousada, onde ficavam os automóveis. Nós transávamos horas a fio.

Voltei pra M e quis me apegar ao meu namorado. Não posso dizer que não senti remorsos, o tal passeio, etc. Mas, ontem, alguém veio me contar que viram meu namorado não sei onde com uma loura. Era eu, afirmei, é porque você nunca me viu de peruca! Depois que a fofoqueira partiu, procurei no celular o nome do apreciador das artes plásticas e apertei o botão. Nada de remorsos.

Saímos na mesma noite, deixei o banho-maria, já que vivo sempre fervendo. E com o minivestidinho que usei, como foi bom entornar o caldo.

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