Um amigo disse que meu namorado me está cozinhando em banho-maria. O motivo foi porque pedi vamos morar juntos, no Miramar; mas o namorado hesitou, acha melhor esperarmos um pouco. Precisa resolver uns problemas. Enquanto isso, vem à minha casa duas ou três vezes na semana e permanece umas duas horas. Meu amigo achou engraçado, “logo você que sempre vive fervendo, agora em banho-maria”.
Ele tem razão, tenho um fogo difícil de apagar. Mas o
namorado é tão carinhoso, educado, adora estar ao meu lado, diz coisas que
ninguém jamais me disse, por isso acredito, vamos morar juntos. No começo, eu
mesma achava melhor cada um na sua casa, mas depois desse tempo com ele, sinto
falta quando não pode vir, ou não está ao meu lado.
Um dia desses a Laura telefonou. Um senhor está interessado em
você, cochichou. Laura, deixe de conversa fiada, você quer jogar verde, fale a
verdade. Nada disso, ela contrapôs, ele pediu mesmo para te dar o número do
celular, e olha que o homem está sozinho e é bem de vida. Ufa, não falei nada
mais. Um homem sozinho e bem de vida. Me deixa pensar em outra coisa. Gosto do
meu namorado, não quero outro homem.
Namoradeira do jeito que sempre fui, mesmo disfarçando,
porque nesta cidade onde moro é uma fofocada só, acabou que não consegui deixar
de perguntar quem era o sujeito. Ela me pronunciou o nome e o número dele, e eu fingi que não
copiei. Não se passaram dois dias, liguei. Não disse quem era, apenas que
sabia das intenções dele. Há, você é Eduarda, disse meu nome em um segundo. E
contou uma história enorme envolvendo uma viagem, automóvel, dois jantares num
restaurante da orla, um banho de mar numa manhã de domingo. Tudo pra dizer no
final que tinha me visto e que caía de amores por mim. Telefonei por
consideração, falei, estou com compromisso. Não tem problema, rebateu, a vida é
cheia de compromissos, a gente vai se falando. E foi o que aconteceu. A gente
foi se falando, se falando, até que... até que não aguentei e acabei indo
encontrar com ele.
Merece um novo parágrafo. Um senhor de cabelos grisalhos,
muito bem cortados, mais para grande, com um vocabulário bonito. É importante
saber falar bem. E como ele sabe. Disse-lhe que não poderíamos ir a nenhum
restaurante da orla de Cavaleiros, porque logo alguém ia me ver e meu namorado
seria informado pelas fofoqueiras de plantão. Ele dirigiu até Rio das Ostras,
parou perto da praça da Baleia, onde há vários bares e restaurantes. Entramos
num deles, ficamos numa mesa discreta, comemos e bebemos vagarosos, como se
todo o tempo do mundo nos pertencesse. Enquanto jantávamos, ele falava sobre
vários assuntos, perguntou até se eu gostava de artes plásticas. Veja se em M,
a gente aprendeu a gostar de artes plásticas. Enquanto ele narrava as histórias,
lembrei um namoradinho de outros tempos, eu vinha com ele pra este mesmo restaurante
e depois passávamos a noite numa pousada barata que existe na saída da Costa
Azul; fizemos isso duas ou três vezes. Numa delas, saí nua do quarto e fui para
a varanda. Ainda bem que não tinha ninguém no pátio da pousada, onde ficavam os
automóveis. Nós transávamos horas a fio.
Voltei pra M e quis me apegar ao meu namorado. Não posso
dizer que não senti remorsos, o tal passeio, etc. Mas, ontem, alguém veio me
contar que viram meu namorado não sei onde com uma loura. Era eu, afirmei, é
porque você nunca me viu de peruca! Depois que a fofoqueira partiu, procurei no celular o
nome do apreciador das artes plásticas e apertei o botão. Nada de
remorsos.
Saímos na mesma noite, deixei o banho-maria, já que vivo
sempre fervendo. E com o minivestidinho que usei, como foi bom entornar o caldo.
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