sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Caldas Novas

Seu olhar era penetrante, não permitia disfarce para quem escolhia como alvo. Já pela segunda vez havia virado o rosto em minha direção. Eu, em máscaras desastradas, não consegui evitar que nossos olhares se cruzassem.

Estava hospedada havia dois dias no Roma, em Caldas Novas, quando reparei aquele homem mais novo do que eu. Não sou jovem, mas ainda mantenho a elegância e um porte físico sensual, sobretudo devido à minha altura e ao biquíni mínimo que sempre teimo em usar. No parque aquático, porém, moças jovens chamavam mais a atenção. Por que ele queria justamente a mim? Outro problema: estava acompanhada, viajara com meu marido, minha filha, o genro e uma neta. Um verdadeiro cortejo. E aquele homem, que eu não sabia se estava sozinho, a me procurar, ao menos com a presença, a sorrir, a fazer alguns movimentos significativos com o rosto. Pensei em dizer que parasse com aquilo, até achei que poderia ser alguém doente a me perseguir. Mas depois me acalmei, tive ideias melhores, reparei que pelo que ele comia e bebia, pelas músicas que apreciava durante o dia ou mesmo no início da noite, pelas pessoas com quem se relacionava, que se tratava de uma pessoa normal.

Meu marido sempre foi uma pessoa agradável, mas nosso casamento tornou-se burocrático. Toda mulher tenta manter a relação, tenta remediar os problemas, procura encontrar motivos para alegria, apesar de todos os desgastes consequentes de um casamento longo. Os homens, de modo geral, sempre acham suas ações as coisas mais normais do mundo, acham que a mulher sempre está pronta para compreendê-los, a amá-los. Assim é João, meu marido. Diz que me ama, me chama para passeios e viagens. Nesse aspecto é ótimo, um marido excelente, dirá a maioria das mulheres. Mas é um fingido de primeira. Pensa que me engana.

A estada em Caldas duraria uma semana. Sete dias de banhos naquelas águas quentes, passeios pelo rio Quente, algumas idas à noite ao centro, restaurantes, cerveja, vinho e caipirinha. Mas logo no segundo dia aquele novo personagem apareceu e não demorou a me acenar. Acabei por encontrar um bilhete seu entre meus pertences: "mulher bonita e elegante", apenas essas palavras. Na piscina, quando eu aparecia, já se espreguiçava no lado oposto. Como eu o descobria? Não sei, acho que começou a existir uma espécie de magnetismo.

Quando eu estava com minha neta, levava-a para a parte rasa. Ela ria e batia palmas em meio a seus brinquedos aquáticos. Inocências da infância. Naquele momento fixava-me apenas nela. Mas ele resolvia passar por perto, e me atraía com uma risadinha. Meu marido? Jogando tênis com o genro. Sempre jogando tênis, o tempo todo.

"As crianças são as pessoas mais fofas do mundo, daria tudo por uma", escutei a voz, vinda de trás, então ele passou, apontando à pequena.

À tarde, minha filha pegou a menina e a levou à recreação. Fiquei só na piscina maior e de águas mais quentes. Ele aventurou-se em meio ao vapor e veio conversar comigo. Apressei em dizer que estava acompanhada. Respondeu-me que já havia jogado uma partida de tênis com o meu marido e que até fizera amizade com ele.

"Bom jogador, o seu marido, não sei como não se profissionalizou, muito bom jogador."

Tive de rir daquela conversa.

"E, você, joga também?"

"Jogar, jogar, não sei, me esforço, mas não consegui vencê-lo, nem o enfrentarei de novo, não sou adversário para ele. Ninguém no hotel ainda conseguiu vencê-lo."

"Acho que nem vão conseguir, joga tênis o tempo todo, chega a ser um aborrecimento."

Pronto. Não sei se entendeu aquilo como uma senha, ou como um desabafo. Lembrei de um amigo que me falava que quando uma mulher reclama do marido é porque está facilitando as coisas.

"Não se aflija, por outro lado é bom que ele seja um jogador talentoso, e que sempre pratique bastante."

"Ele é talentoso", repeti, "ele é muito talentoso", mergulhei deixando-o para trás e apareci do outro lado da piscina. Não mais o vi naquele fim de tarde.

No dia seguinte apareceu de novo. Meu marido continuava no seu périplo, como disputasse algum torneio internacional.

"Bom dia!", falou alto, parecia entusiasmado. Foi logo perguntando: "vão ficar no hotel até quando?"

"Bom dia", respondi educada, "acho que mais dois ou três dias."

"Parto amanhã", falou eliminando o sorriso, "não posso continuar, o trabalho me espera."

"Que pena", falei. Depois achei que cometi uma gafe, ou, sei lá, um ato falho. Minhas palavras foram suficientes para que ele voltasse a ter a face iluminada pelo sorriso de sempre.

"O que se pode aproveitar em tão pouco tempo? Vou dar mais alguns mergulhos e à noite passear pela cidade. Vou tomar umas caipirinhas."

"Caipirinhas?"

"Isso, você também gosta, já vi você bebendo duas", sorriu mais uma vez, apontando o bar que ficava à beira d'água.

"Ah, sou fraca em relação ao álcool, só bebo nas férias."

"É mesmo?" Pediu licença porque teria de se ausentar por alguns minutos. Mas falou para que eu não fosse embora, voltaria em instantes.

Apareceu em menos de dez minutos. Trazia duas caipirinhas. Uma era de lima da pérsia, meu sabor predileto.

"Obrigada, vou aceitar para não fazer desfeita", falei.

"Estamos de férias, não se preocupe, e creio que seu marido não vai se aborrecer caso você tenha arranjado um amigo."

"Lógico que não", respondi, "tenho muitos amigos", disfarcei enquanto sorvia o primeiro gole.

Naquela última manhã de sua hospedagem ficamos conversando durante muito tempo. Bebi aquela e mais outra, acabou vencendo minha rigidez e conversamos com franqueza. Ele disse que já tinha se separado duas vezes e que vivia sozinho nos últimos tempos.

"Sou operador na bolsa de São Paulo", falou.

Sempre achei que quem exercia essa profissão eram as pessoas mais chatas do mundo. Mas ele desmentiu meu preconceito. Era um homem culto, entendia de muita coisa, e até de poesia.

"Como é possível um operador de bolsa de valores entender de poesia?", cheguei a levantar a questão.

Ele sorriu e falou:

"Na vida se aprende de tudo, até poesia", e caiu na gargalhada. Continuou: "e é uma das melhores coisas da vida, acredite."

Não fomos além daquele dia, nem daquela conversa. Pediu meu e-mail.

"E-mail?, nem entendo de computador. Sou dona de casa, não cuido de computadores. Mas vou lhe dar meu endereço."

Agora voltamos à nossa vida de sempre. As férias acabaram, tudo voltou ao normal. Ao normal? Não sei o que vai acontecer daqui em diante. Com meu endereço nas mãos, não perdeu tempo. Logo entrou em contato. Na carta resposta, dei o número do telefone daqui de casa. Ele ligou, disse que viria para uma visita, pediu que avisasse ao meu marido. Marcamos a visita. Ele vem amanhã, vem para o jantar. Meu marido? Sabe que ele vem, mas descobriu que logo amanhã joga uma partida de tênis inadiável, no clube do qual somos sócios.

"Fique conversando com seu amigo, peça desculpas em meu nome, acho que não vai se incomodar", falou..

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