terça-feira, novembro 29, 2011

Vestida de princesa

Imaginem uma festa num castelo, tudo preparado com o máximo esmero, observados todos os detalhes: móveis, decoração, aparadores, louças, talheres e cristais; os mais variados coquetéis, comidinhas e o jantar; os garçons, discretos e experientes. No lado de fora, um bosque extenso, diversas plantas e árvores, aqui e acolá veredas onde é possível passear, respirar sem pressa o ar noturno e apreciar o que a noite pode oferecer de melhor.

As mulheres desfilam com jóias, roupas reluzentes, tecidos de cetim, rendas sobre o forro dos vestidos, há quem traje saia ou vestido de veludo, tudo na mais perfeita elegância. Caso a roupa seja curta, não há extravagância, sempre o caimento perfeito; os homens, de smoking ou terno, também adoráveis.

A orquestra toca quase sem parar. Danço duas valsas, depois um bolero, e até mesmo um tango. De repente, os músicos se soltam num rock ‘n rol envolvente, somos todas arrastadas.

Os homens não cansam de estar a nossa procura. Além de a todo o momento nos chamarem para dançar, há convites para ir lá fora, tomar um drinque ao ar livre, fumar um cigarro ou mesmo uma cigarrilha com piteira. Mas permaneço num dos salões, se não no principal pelo menos num onde posso ser observada.

Mary quer me mostrar algo.

“Está tão bom aqui, olhe aquele homem com o copo de uísque numa das mãos, está nos olhando, será que é pra mim ou pra você?” pergunto.

“Lógico que é pra você, Marg, aqui todos não tem olhos para as outras mulheres.”

“Quero acreditar!”

“Vamos lá fora que ele vem atrás.”

“E quem falou que o quero junto a mim.”

“É rico, Marg.”

“Rico ou riquíssimo?”

“Riquíssimo, é verdade, mas vamos, ele não nos deixará escapar.”

“O que você quer me mostrar lá fora, Mary? Com ele perto, não poderei apreciar.”

“Ah, é mesmo, já ia esquecendo, mas a gente disfarça.”

Saímos as duas, mergulhamos numa das aleias do bosque. Logo depois da segunda vereda transversal, ouvimos sussurros, ou mesmo gemidos. Escondemo-nos atrás de um arbusto. Dali podemos ver um casal, a moça abaixada junto às pernas do rapaz.

“Mary, só você não sabia disso, nessas festas é o que acontece de mais comum...”

“Não é apenas isso, Marg, sei que há um casal em cada canto, e não fazem só sexo oral. Quero mostrar a você uma coisa que descobri adiante.”

Rumamos na direção norte do bosque. Vez ou outra a vegetação sibila, o céu claro permite observar toda a beleza do lugar; a luz elétrica é pálida, distante, desnecessária. Ao ultrapassar um lago, encontramos algumas estátuas, todas de mármore. Mas uma está vestida, e com roupa de grife.

“Não é o vestido de Joana?”, Mary tem a dúvida.

“Ou um parecido”, insinuo.

“Mas não é possível haver dois vestidos desse tipo.”

“Mary, não faz uns minutos vi Joana com o filho do príncipe, estavam dançando.”

“Também reparei, principalmente quando saíram.”

“E o que o vestido dela está fazendo aqui?”, pergunto.

“Chamei você para esclarecer essa questão, já que é escritora.”

“Ah, Mary, deixa eu dançar, e havia um homem riquíssimo me apreciando.”

“Não se preocupe, ele deve estar atrás da gente.”

“Mary, tive uma ideia brilhante, veja se a estátua ao lado está limpa.”

“Claro que está, Marg, aqui os empregados deixam tudo brilhando, seja dia ou noite.”

Num movimento rápido, tiro a roupa e visto a estátua que está ao lado da que exibe o vestido da princesa.

“Marg, o que você está fazendo?”, surpresa no rosto de Mary.

“Me divertindo um pouco”, fico só de meias, calcinha e salto alto, “sorte o tempo estar fresco”, digo.

“Marg, você é louca, se aparece alguém?”

“Visto o vestido da princesa e corro.”

“Marg, estou ouvindo passos, não temos tempo, abaixe-se.”

Escondemo-nos num canteiro de roseiras, há uma espécie de palmeira, o esconderijo não nos é muito favorável.

Aparece então o homem. É aquele que Mary chama de riquíssimo. Aproxima-se das estátuas, olha vagaroso o meu vestido; depois, o da princesa; volta-se para frente, esquadrinha o local com cuidado, parece temer um possível espião. De novo, vira-se para as estátuas. Prefere o meu vestido. Toma-o nas mãos, despe a estátua, enrola o vestido e o esconde dentro do paletó.

“Marg, corra até ele, diga que o vestido é seu”, sou a nua, mas a desesperada é Mary.

O homem riquíssimo aproxima-se da outra estátua.

Calma, amiga, primeiro devo fazer algum tipo de encenação”, estou tranquila.

"Bonito, não?", materializo-me ao lado dele. O homem toma ligeiro susto, explora o meu corpo e, envergonhado, estende a mão entregando-me o vestido. Seguro-o e o coloco sobre um dos braços da mesma estátua onde está o da princesa. A mulher, solícita, é uma aia que traz a roupa para sua senhora. Pego meu admirador pela mão e o puxo para dentro do bosque. O perfume das plantas é mais intenso; as árvores, acolhedoras. Mary já não está à vista.

Após muito tempo, ainda entre a cúmplice vegetação e nos braços do furioso amante, lembro-me da princesa e dos vestidos. A essa hora ela e o príncipe já acabaram. Fecho os olhos, sinto dois arrepios: um por causa de novo aconchego no corpo do jovial amante; o outro, quero voltar para festa vestidinha...

quarta-feira, novembro 23, 2011

Noite de verão

Ouça, Marilda, um silêncio... Acho que consigo ouvir a brasa de meu cigarro a queimar.

Roberta, não é essa a questão. O silêncio é muito bom, mas tenho outra preocupação, são três e trinta da madrugada, e nós aqui sentadas, de pernas cruzadas, neste banco de jardim, esperando dois homens...

E o que há de mal nisso?

Não haveria nada de mal se não estivéssemos apenas de calcinha.

Você mesma não falou que toda mulher gosta de andar nua?

Gostamos de andar nuas, de nos exibir, Roberta, quanto a isso não há dúvida, mas vestindo roupa curta, de biquíni numa praia, numa piscina particular, ou mesmo nua dentro de casa, mas não num lugar público, e a esperar dois homens que não sabemos se virão...

Marilda, relaxe, eles sempre vêm; lembra os presentes que pedimos?

Roberta, não somos prostitutas!

Não, claro que não, ganhamos alguma coisa e também gozamos. As prostitutas não gozam.

Roberta, escuta, acho que vem um carro, e agora, o que faremos?

Nada, Marilda, não faremos absolutamente nada. Você sabe como se fica invisível, quietinha, viu.

Ah, passou, não nos viram.

Eles nunca nos veem, não têm sensibilidade para isso, tanto mais algo inesperado como duas mulheres nuas numa noite de verão.

Por que será que esses homens não têm uma ideia mais simples, como a de nos levar a um hotel? Por que desejam a gente nua correndo todo esse risco?

Marilda, há gosto para tudo, um deles falou que sua fantasia principal é a de ver duas mulheres sentadas nuas, de pernas cruzadas, as duas fumando, despreocupadas, como se a nudez fosse a coisa mais normal do mundo.

Sei, Roberta, eles falaram isso, mas podíamos ter ficado com nossas roupas por perto, dá-las nas mãos do garoto e vê-lo ir embora de bicicleta me fez ficar (e ainda estou) toda trêmula.

Marilda, tive uma ideia, na próxima vez, ao dizerem o local, vamos vir antes, trazer roupas reservas e escondê-las por perto.

Próxima vez, Roberta? O problema é agora, nem sei se vai haver uma próxima vez.

Marilda, acenda mais um cigarro, relaxe, tente encontrar prazer nessa situação, estou adorando.

Você está adorando porque tomou duas caipirinhas. Quero ver quando o efeito terminar, vai ficar mais preocupada do que eu. Roberta, ouça, agora parece barulho de moto.

Então, devem ser eles.

Roberta, não são eles, e nos viram, o que vamos fazer?

Quietinha, vamos pagar pra ver.

Pagar?

Ou receber...

Moças, Roberta e Marilda?, perguntou um deles, mantendo-se sobre a moto.

Eu, Roberta; ela, Marilda. Não reparem, ela está tremendo porque está com frio,

Venham com a gente, cada uma suba numa garupa.

Vamos, Marilda, é a nossa vez.

Roberta, aonde esses caras vão nos levar?

Para casa, amiga, eles sempre nos levam para casa.

quinta-feira, novembro 17, 2011

Ela adora situações imprevisíveis

Estava em casa, já desistira de sair naquela madrugada quando ouvi alguém bater. Atendi. Era o João Paulo.

“Oi, Jussara, como vai?” Beijou-me antes de convidá-lo a entrar.

“Tão tarde assim? Já não esperava mais ninguém.”

“Vim fazer uma horinha, tenho um compromisso.”

Só então reparei que ele trazia num cabide um vestido preto, dava para notar que era um tomara-que-caia justo e curto.

“Compromisso? Você agora entrega roupa em domicílio, e de madrugada?”

“Mais ou menos”, respondeu e me mostrou o vestidinho dentro de um plástico.

“Me conte melhor?”, curiosa, eu.

“É da Margarida.”

“Margarida? Já estou até imaginando o que ela te pediu.”

“Jussara, você conhece as extravagâncias da Margarida, não?”

“Deixa eu adivinhar: foi dar uma voltinha nua por aí e pediu para você guardar o vestido dela.”

“Você quase acertou. Ela me telefonou lá pela meia-noite e pediu para levá-la na casa do namorado. Antes de sair do carro tirou o vestido e deixou em minhas mãos. Pediu que eu voltasse três horas depois para buscá-la, quis fazer uma surpresa: chegar nua na casa dele.”

“A Margarida é fogo, não? Só ela tem coragem de fazer essas coisas.”

“João, em vez de convidar você para ficar aqui queria passear um pouco, o que você acha?”

“Mas e esse vestido?”, parecia preocupado com a tarefa que lhe fora incumbida.

“Dá aqui, dou um jeito”, peguei a roupa, levei para o meu quarto e a coloquei sobre a cama. “Pronto, está guardadinho. Que tal uma volta pela orla?”

“Acho que dá tempo, vamos sim”, aceitou de bom grado.

“Conheço um quiosque 24 horas, servem caipiríssimas ótimas.”

Um quarto de hora depois, já dirigíamos no Leblon. “Pare ali, por favor.”

João Paulo estacionou. Descemos. O local estava quase lotado, havia apenas uma mesa, esperava por nós.

“Aqui tem caipiríssima de morango, que delícia, todos adoram!”, sugeriu e pediu duas.

Ficamos ali sentados envoltos pela noite, vendo ao longe as águas do mar, ouvindo alguma conversa entrecortada por tantas outras. Vimos também o casal que faz o papel principal na novela das nove.

“Engraçado”, comentei, “aqui ninguém dá bola pra artista.”

“O Rio tem isso de bom, as pessoas famosas podem sair à vontade, principalmente na Zona Sul, ninguém incomoda.”

Apenas um casal se aproximou e pediu para fazer foto ao lado deles. Atenderam, todos os dois eram só sorrisos.

“Está ótima essa bebida”, falei, “acho que vou querer outra.”

“Eu também, mas vou pedir a próxima de lima da pérsia.”

“E as namoradas?”, perguntei.

“Estão em recesso, prefiro sair com amigas e amigos, atualmente.”

“Jura?”

“Juro. Os amigos são fiéis.”

“Você é ótimo, João, gostei. Posso te fazer um pedido?”, olhei para ele com fisionomia de expectativa.

“Claro, meu amor?”

“Você me leva pra passear lá na beiradinha d'água?”

“Agora, Jussara?”

“Não!, depois que terminarmos, quero passear mais adiante, mostro o lugar a você.”

Bebemos e conversamos por mais uma hora e meia, depois pagamos a conta e caminhamos um pouco pela calçada. Descemos para a areia da praia, num ponto estava escurinho.

“Aqui, João, está ótimo.Venha, me abrace.”

“Se eu não te conhecesse, diria que é o efeito da caipirinha”, me beijou em seguida.

“Já namoramos algumas vezes, não? Mesmo sem ter compromisso, apenas beijos, abraços e algum sexo, você adorou, até pensei que ia me pedir pra casamento.”

Ele riu. Como havia um puco de névoa, as pessoas não podiam nos ver, por isso ficamos muito tempo ali, e foram muitas as carícias. Já que eu começara toda aquela provocação, não pude evitar que ele chegasse ao principal. Acabamos fazendo amor, mas não permiti que me tirasse a roupa, precisou se virar por baixo da minha saia.

Lembramos que tínhamos de ir quando demos com o prenúncio do dia, uma luz violeta se anunciava a oriente.

Foi João Paulo quem deu o alarme: “O vestido da Margarida! Ela me pediu para estar lá às quatro, disse que não ia poder passar dessa hora porque o homem não mora sozinho e outras pessoas iam chegar...”

“Vamos ligar pra ela, de repente ainda dá tempo”, levantei e sacudi minha roupa para livrá-la dos grãos de areia.

“Mas ela não levou o telefone”, meu amigo estava assustadíssimo.

“Não levou o telefone? Então a Margarida quer é amanhecer nua mesmo.”

“Será?”

“Com certeza. Ela adora situações imprevisíveis. Não precisa ficar tão assustado.”

“Acho que ela vai me cortar do rol de seus amigos, e gosto tanto dela...”

“João, escute, fique tranquilo, a Margarida vai até te agradecer pelo esquecimento, e depois ainda vai nos contar o que aconteceu morrendo de rir.”

“Posso então confiar em você?”

“Claro que pode, e tem mais, deixa que eu mesma entrego mais tarde o vestido para ela.”

Meu amigo se conformou, mas não sem uma ponta de contrariedade.

Quando telefonei pra Margarida à tarde, não havia ninguém em casa, e o celular estava na caixa postal. Deixei o recado na secretária eletrônica.

Ao terminar de escrever essa história, já vai fazer 24 horas que ela saiu nua do carro de João Paulo. Ainda não temos notícias dela.

segunda-feira, novembro 14, 2011

Agora peça o espumante, por favor

“Meu amor, não seria melhor eu vir totalmente vestida para você tirar minha roupa com calma, com sensualidade?” Estávamos num hotel do Centro, quinta feira, passara a hora do almoço.

“Mas adoro você de roupa curta, morro de tesão.”

“Querido, também gosto de andar nua, já dei bastantes provas a você sobre isso. Num dia de semana, porém, e ainda no centro do Rio, imagine, todos os homens vão me seguir.”

“Deixe que eles te sigam, mas quem te possui sou apenas eu.”

“Eu não teria tanta certeza assim”, lancei-lhe o deboche.

“Não acredito que você me traia.”

“Não se trata de traição, amor, será que aguento tantas cantadas?”

“Cantadas, como assim?

Sentei-me na cama ainda como entrara na suíte; quis acender um cigarro, mas olhei o ambiente fechado e deixei o maço dentro da bolsa. Tomei na mão o controle da TV e apertei um dos botões. A tela se acendeu e surgiu uma imagem urbana: repórteres, bombeiros, entrevistas. Houvera uma explosão num prédio do centro. Deixei o aparelho sem som, as cenas se sucediam, gritos mudos, choro, desespero, apenas lábios em movimento.

“Amor, você não é ingênuo, quando saio nua de casa quase todos os homens se aproximam, querem falar comigo, fazem propostas, muitas delas tentadoras, não sei o que faço com tantos números de telefones; houve um que deixou o próprio telefone, queria me ligar a todo momento; outros me perguntam, com muito jeito e educação, quanto cobro pelo programa. Portanto, amor, se sou apenas sua, é melhor sair vestida de casa, com recato e esmero. Que você me dispa no hotel, ou em qualquer outro lugar fechado, ou mesmo quando estivermos na praia. Caso queira, ponho em suas mãos uma das minhas peças. Já fizemos esse jogo antes, lembra?”

“Fizemos, e quase morro de tesão só em pensar que larguei você pelada dentro d'água, naquela praia, com tanta gente em volta, eles sem saber que você estava nua.”

“Então, amor, mas era uma praia, as mulheres de biquínis mínimos, ninguém iria se certificar se alguma delas estava sem.”

Ele abriu o frigobar e tirou uma cerveja, estalou o lacre e a levou imediatamente à boca.

“Amor, você liga para o bar e pede um espumante para mim?”, lancei-lhe um beijinho.

“Ninguém percebeu, e eu ali na areia, excitadíssimo, teu biquíni escondidinho numa das minhas mãos, lembro que depois ainda o guardei na tua própria bolsa.”

“Isso mesmo, amor, foi ótimo, eu por quase trinta minutos de molho, sem poder sair de dentro d'água, e no Leblon, uma praia urbana, imagine! Você amou, não foi mesmo? Qualquer dia vamos de novo.”

“Jura, fofinha?”

“Claro, querido. Mas agora peça o espumante, por favor? Olha que vim com uma lingerie que vai deixar você morrendo de calor.”

“Mas você jura que fica nua de novo, na praia?”

“Juro. Mas não me peça para vir como uma piranha, aliás, nem é como uma piranha que você me pede para vir, porque elas hoje em dia não andam tão nuas; na verdade, quem anda como você deseja são os travestis, estes sim, outro dia soube de um que estava totalmente nu em Copacabana.”

“Não, não gosto de travestis!”

“Não? Mas do jeito que você me deseja, até parece...

“Gosto de você! Amo você!

“Então, caso me ame mesmo, não me peça para andar nua. Mais uma coisa: conheço tanta gente, não quero passar vergonha. Venho vestidinha, de preferência com as roupas que você me presenteia, depois dou a você de cortesia uma pecinha, para você levar para casa e sonhar comigo. Está bom assim? Agora peça o espumante, por favor.”

quarta-feira, novembro 09, 2011

A gente nunca sabe o que tem lá dentro

O bar onde ele trabalhava era na rua Duvivier. Eu fazia faxina num apartamento do prédio em frente todas as quintas-feiras. A patroa era boa para mim, me pagava para fazer todo o serviço mais dez reais do que costumavam pagar e ainda me dava o dinheiro da passagem. Sempre quando eu chegava, tinha de passar no bar para pegar o sanduíche que ela deixava encomendado todos os dias. Ele me olhava, sorria e parecia querer dizer alguma coisa depois que me entregava a embalagem. Nesta última quinta, acabou falando:

“Você pega o ônibus do metrô, não? Vi na semana passada quando foi embora, quase peguei o mesmo ônibus.”

Nada respondi, apenas sorri gentilmente e segui o meu caminho.

Na hora de eu ir embora, lá estava ele no ponto. Aproximou-se:

“Hoje vou no mesmo ônibus, vamos juntos.”

Não falei nada. Esperamos por uns bons quinze minutos. O ônibus chegou e parou. Entramos. De início ele não conseguiu ficar perto de mim porque o ônibus estava muito cheio. Mas aos poucos acabou se aproximando e começou a puxar conversa.

“Sabe, acho você muito simpática, pena que não temos tempo pra conversar.”

“É, sou muito ocupada, e não posso ficar por aí conversando com qualquer pessoa.”

O ônibus deu um solavanco e arrancou. Nos seguramos, acabei por dar um encontrão nele.

“Desculpe”, disse eu.

“Não tem problema, não há nada demais num esbarrão, foi até gostoso.”

“Como um esbarrão pode ser gostoso?”, eu começava a aceitar a conversa, mesmo aparentando não querer.

“Principalmente se a pessoa que esbarra for simpática, sabia? Dá até pra arranjar namorada assim.”

“Você quer arranjar namorada através de um esbarrão?”, fingi surpresa.

“Já arranjei namorada numa carona de guarda-chuva.”

“Como foi?”, demonstrei interesse.

“Foi em Mesquita. Saltei na estação na hora que caiu uma tremenda chuva. Uma moça desprotegida estava ficando toda molhada. Então, perguntei: 'quer uma carona de guarda-chuva?' Ela aceitou.”

“Como você fez pra namorar com ela?”

Ele pareceu mostrar entusiasmo, enquanto isso o ônibus fazia a curva, outras pessoas se espremiam; falou, afinal:

“Encontrei a moça num sábado, ao acaso, fui ao clube local e ela estava na festa. Como já tinha dado a carona, foi fácil conversar com ela.”

“Estão namorando até hoje?”

“Não, pra falar a verdade foi só naquela noite, e foi bom.”

“O que mais?”

“Não conheço você bem pra dizer o que aconteceu a mais.”

Tive de rir das palavras dele.

“Você tem namorado?”, perguntou.

“Eu? Tenho um marido que às vezes é metido a valentão.”

“Viche, pensei que você fosse solteira, estou metendo a mão em cumbuca.”

“O que é meter a mão em cumbuca?”, perguntei.

“A gente nunca sabe o que tem lá dentro, pode ter bicho venenoso.

“Não tem veneno, não, fica tranquilo, se dei conversa é porque não tem veneno.”

O ônibus fez mais uma curva e parou na estação do metrô. Saltamos juntos, seguimos lado a lado a caminho do trem.

Na quinta seguinte, falei a ele assim que me passou o sanduíche:

“Minha patroa vai me deixar sair às quatro hoje, você pode encontrar comigo?”

“Às quatro? Acho que sim”, disse sem pensar.

“Então a gente se vê no ponto”, dei as costas e saí do bar.

Enquanto subia no elevador, pensei que deveria ter deixado o número do meu celular.

Trabalhei naquele dia com muita atenção a todos os detalhes. Como a patroa ia me liberar mais cedo, não queria decepcioná-la.

Ao sair pensei em passar no bar para ver se meu namoradinho ainda estava trabalhando, mas desisti, era dar muito na pinta. Segui para o ponto e esperei por ele.

Mas ele não apareceu.

Na quinta seguinte não fui trabalhar. A patroa ligou dizendo que não precisava de mim naquela semana. 

Apareci somente depois de quinze dias.

Ao passar pelo bar, não foi ele quem me atendeu. Pensei em perguntar pelo rapaz, mas não tive coragem. Quem sabe tinha ido embora?

Trabalhei com um peso no coração. Apesar de até ali só termos conversado uma vez, senti uma grande tristeza, tudo levava a crer que não mais nos encontraríamos.

Às seis horas saí e fui para o ponto. O tempo estava fechado, de repente começou a chover. A chuva foi aumentando até se transformar num terrível temporal. Corri procurando abrigo, mas em poucos minutos eu já estava toda encharcada. E para piorar a situação eu não tinha levado a sombrinha.

“Você precisa de ajuda?”, ouvi alguém perguntar. Quando virei o rosto, vi o rapaz que eu pensava ter perdido para sempre.

“Oi”, não consegui esconder um sorriso.

“Mas você está rindo de quê, toda molhada desse jeito?”

Senti vontade de correr para a chuva e me molhar um pouco mais. Fiz, porém, cara de inocente.

“Vem comigo que eu vou ajudar você a se secar”, falou.

Como ele também não tinha guarda-chuva, acabamos nos molhando ainda mais. Antes, ele ainda tentou comprar um com um homem que vendia na calçada. Mas todo o estoque havia terminado.

“Vamos correr, acho que a chuva vai piorar”, falou.

A chuva era tanta que não me deixava ver o que havia pela frente. Ainda assim atravessamos duas ruas para ir ao prédio onde ele dizia que podíamos nos abrigar. Percorremos mais duzentos metros tentando nos proteger sob as marquises, elas estavam cheias de gente que esperava uma possível estiagem. Mas a chuva era inclemente, castigava cada vez mais.

Entramos num prédio comercial. Ele se virou para mim dizendo que o seguisse. Subimos ao nono andar num elevador antigo mas bastante rápido. O rapaz dobrou à direita no corredor e  parou diante de uma das portas.

Era uma sala comercial, um estúdio fotográfico, desses que fazem fotos para documentos e para aniversários. Não havia ninguém lá dentro.

“Como você conseguiu este lugar?”, perguntei.

“Meu irmão trabalha aqui, hoje como não pode vir a Copacabana deixou a chave comigo para eu lhe fazer um favor.”

Apontou o banheiro.

“Você pode tentar se enxugar ali, veja se encontra uma toalha.”

Entrei e me olhei no espelho, que ficava ao lado da pia. Só então pude ver como estava ridícula molhada daquele jeito. A única toalha era pequena, de rosto. Mesmo assim tirei a roupa toda e comecei a me enxugar. Apareci na fresta da porta e disse:

“Não tenho o que vestir, a toalha daqui é muito pequena.”

“Deixa eu ver se encontro algum pano, ou outra toalha.”

Depois de algum tempo, voltou com uma espécie de manta. Também era estreita, mas servia para eu me cobrir. Enrolei o pano no meu corpo, ficou como um tomara que caia curto. Não me fiz de rogada, saí do banheiro assim mesmo, e com a toalha de rosto cobrindo o cabelo.

“Até que você ficou bem assim”, falou e sorriu.

“E você, não vai se enxugar?”, perguntei enquanto esticava minhas roupas sobre um dos sofás.

“Não sei, não há outro pano.”

“Olha, já que você me ajudou, vamos fazer assim”, me livrei da manta e a entreguei nas mãos dele. “Não quero que você fique doente por minha causa, sei que não vai ficar olhando o meu corpo.”

No começo ele pareceu se surpreender. Mas depois minha nudez passou a ser para ele a coisa mais natural do mundo.

Sentei numa das poltronas, cruzei as pernas e tentei cobrir os seios com um dos braços. Olhei para ele enquanto se enxugava. Falou:

“Acho que aqui tem pó de café, vou fazer um pouco pra gente.”

Antes que ele se dirigisse à minúscula cozinha, eu disse: “senta aqui do meu lado; deixa que depois eu faço o café.”

quinta-feira, novembro 03, 2011

Você não vai me pedir que eu fique nua no seu carro, não é mesmo?

A Tijuca é um bairro grande e complexo, começa após a Praça da Bandeira, confunde-se com o Maracanã de um lado e esbarra nas encostas do outro, uma das ramificações segue até a Usina, outra até o Grajaú, e não deixa de fazer divisa com Vila Isabel.

Era sábado de manhã, eu caminhava em volta da praça Afonso Pena, logo ali no início da Tijuca, primeira estação do metrô depois do Estácio. Bonito o lugar. Com espaço para crianças e para adultos, a praça abriga ainda uma pequena academia ao ar livre para os idosos. Já havia percorrido quatro vezes o perímetro da praça quando avistei um homem que vinha na direção contrária. Olhou-me de relance. Completei mais uma volta. Mais ou menos no mesmo ponto onde o vira na volta anterior, vinha ele de novo. Assim os encontros se repetiram por mais uma, duas, três, quatro, cinco voltas.

Na sexta, não mais cruzei com ele. Quando pensava ir embora, já cansada, tendo cumprido meus exercícios diários, reparei o homem às minhas costas. Continuei por mais uma volta. Ele não me abandonava.

Na esquina da Afonso Pena com a Dr. Satamini, atravessei e segui para casa. Duas quadras depois, entrei no prédio onde moro.

Tenho cinquenta anos mas mantenho a forma. Não estou lá essas coisas, portanto não havia motivo para que ele me seguisse. Uma pessoa contaminada pela propaganda de violência nos dias de hoje logo pensaria estar correndo algum tipo de perigo. Mas desde o começo eu tinha certeza de que não se tratava de nada disso.

Quando entrei no apartamento, estava calor. Fui até a janela e a abri. Olhei a rua.

Não me acho nada sensual, por isso me senti feliz por ter sido admirada. E ele, pela jovialidade que transmitia, devia ser mais jovem que eu.

Pensava tê-lo perdido, mas não me sentia em desvantagem. Eu ainda era capaz de atrair os homens, e isso era o que mais importava.

Assim que saí do chuveiro, tocou o telefone. Era Magda. Ela e suas histórias picantes, histórias de namorados, paixões a trezentos por hora. Nada falei, e jamais falaria, sobre a paquera daquela manhã. Esperei que me contasse as novidades.

Disse-me que na noite anterior, ao abrir a porta do apartamento para levar o lixo, deparou-se com a vizinha nua no corredor do oitavo andar.

“Magda, por favor”, falei, “para saber sobre mulher nua, me olho no espelho.”

“Não é por isso que te conto, Vanda, é porque até agora não entendi o motivo de a vizinha estar nua batendo na própria porta.”

“Magda, há malucos e malucas para tudo, ou mesmo pode ter acontecido o seguinte: estava nua dentro de casa e decidiu ver alguma coisa do lado de fora, não quis se vestir porque achou que não havia ninguém ali.”

“É, você pode ter razão, mas para isso ela não bateria na própria porta.”

“Ela viu que você a espreitava?”

“Acho que não. Caso ela tivesse me visto, acho que falaria alguma coisa comigo.”

“Estava claro o corredor?”

“Não, por isso achei estranho. Há um sensor que acende as lâmpadas quando alguém passa. Ela estava bem rente à porta, e a luz não acendeu.”

A conversa se desviou por outros assuntos, a vizinha continuou nua, sem resposta, batendo à própria porta.

“Vanda, na verdade telefonei para perguntar se você quer sair à noite. Vou eu e a Marilda.”

“Aonde vocês vão?”

“Não sabemos, ainda vamos decidir. Queria chamar você também."

“Vocês vão a algum espetáculo, como música, cinema, ou teatro.”

“Dessa vez, acho que não. Queremos sair para beber alguma coisa e colocar a conversa em dia."

“Ok, acho que vou.”

Às 8:30h estava eu no Odorico. Chegara antes delas. O garçom veio me perguntar o que desejava, entregou-me um enorme cardápio. Desculpei-me, disse que esperava as amigas e que beberia naquele momento apenas água mineral. Ele se retirou e não demorou a voltar com a pequena garrafa.

Havia algumas mesas vazias, mas os clientes já começavam a chegar. A maior parte era composta de rapazes e moças, bebiam chope, mas, principalmente as mulheres, também consumiam água. Pude escutar algumas conversas, geralmente tratavam de relacionamentos, sempre histórias sobre outras pessoas. É incrível a capacidade que o ser humano tem de falar de si próprio ao comentar sobre a vida alheia.

Quinze minutos depois, Magda chegou. Beijou-me e sentou. Viera de calça comprida e uma blusa de algodão fino, dessas que se abotoam de cima a baixo, com algumas flores em detalhes, muito sutis, à altura dos ombros. Mais cinco minutos, chegou Marilda. Veio de vestido curto, bem extravagante. Apesar de seus quarenta anos, é a rainha das academias. O corpo semimusculoso tentava escapar pela barra do vestido, sobretudo suas grossas coxas.

“Nossa, aonde você vai assim?”, Magda arriscou.

“Assim?”, quis saber enquanto sentava.

“Tão à vontade...”

“Nunca se sabe.”

“Ou se sabe a intenção?”, insistiu Magda.

Marilda e eu rimos.

“Vamos tomar chope?”, perguntou Magda.

“Não gosto de chope, você sabe, quero uma caipivodca”, reagiu Marilda.

As duas olharam para mim.

“Fico por enquanto na água mineral.”

A conversa começou a girar em torno de um homem que Marilda conhecera havia duas semanas. Magda perguntou onde ele estava naquele momento.

“E eu sei?”

“Como você pode namorar alguém e não saber onde a pessoa está?”

“Caso eu queira, telefono que ele aparece. Mas agora prefiro não fazer isso. Deve estar bebendo com os amigos.”

“E se ele de repente arranja outra?”, insistiu Magda.

“Não preciso me preocupar com isso; se tiver de acontecer, nada posso fazer.”

Eu parecia estranha àquela conversa. Na verdade, estava preocupada com meus exercícios físicos. Fazia tempo que não tinha namorado, por isso nem pensava em tais coisas. Mas, de súbito, lembrei o homem que me seguira naquela manhã.

O garçom trouxe a caipivodca da Marilda, um copo bonito, a cor da bebida era linda.

“Tem caipivodca de morango?”, perguntei.

“Sim.”

“Traz uma pra mim”, pedi.

“Salve, a Vanda vai beber, que bom!”, Primeiro fui saudada por Marilda, depois Magda sorriu e levantou o copo de chope.

Marilda, que só falava bobagem, continuava suas histórias. Pensei, será que essas mulheres não entendem de outras coisas que não sejam homens e o que fazem com eles?

“Sabe, outro dia acho que estava com um vestido também curto, pode até ter sido este, não lembro, pedi a esse novo namorado que me levasse à Barra. Na descida do Alto, ele ficou com as mãos sobre as minhas pernas, tive vontade de ficar nua, mas achei que era cedo pra isso.”

“Você já andou nua num carro com o namorado, não?”, Magda, curiosa como sempre.

“Com um, não, com vários, mas ainda não com esse.”

“Nua num carro?”, perguntei ingênua.

“É, ela tirou toda a roupa e ficou nua no banco do carona enquanto o homem dirigia.”

Minha face, involuntária, demonstrou espanto.

“Não se assuste, Vanda, a Marilda adora essas sensações.”

Quis eu dizer: é mesmo?, mas fiquei em silêncio, enquanto a protagonista de tais aventuras sorvia mais um gole de sua bebida.

O garçom trouxe minha caipivodca. As meninas brindaram comigo. Bebi o primeiro gole.

“Que bom que a Vanda decidiu beber com a gente, esse negócio de apenas água mineral não está com nada”, falou Magda.

A conversa continuava sobre homens e namorados. Magda começou a falar sobre sua mais recente conquista, um namorado da zona sul. Mas não podia sair com ela nos finais de semana.

“Você perguntou se ele era casado”, intrometi-me na conversa antes de ela completar.

“Isso não é pergunta que se faça.”

“Como assim, não é pergunta que se faça?”, eu quis saber.

Marilda riu, e foi ela quem falou:

“Minha amiga, na nossa idade, já aprendemos a ser discretas.”

A resposta não me convenceu. Magda continuou a descrever as qualidades do homem, depois os lugares que frequentava com ele, locais muito chiques por sinal.

A bebida fez que eu me soltasse. Passei a rir do que as duas contavam. Após ter bebido mais da metade da caipivodca, comecei a observar com mais detalhes o rosto de Marilda. Era ela que falava mais. Percebi traços que eu não reparara antes, sua testa parecia estar úmida. Abaixei os olhos, ela se posicionara lateralmente, suas pernas estavam cruzadas e o vestido subira bastante, quase dava para ver a calcinha. Passaram alguns minutos, as vozes das pessoas soavam mais altas. Não sabia se isso realmente estava acontecendo ou se os meus sentidos se tornaram mais aguçados por causa da bebida.

“Olhem ali, mas com cautela, há um homem nos olhando”, afirmou Marilda.

“Sempre os homens nos olham”, observou Magda.

“Mas esse está lançando um olhar arrasador, e acho que é para a Vanda.”

Tomei um susto. Parecia que eu estava dormindo e subitamente acordara.

“Para mim?”, falei sem pensar.

“Para você mesma, mas não olhe agora”, alertou-me Marilda.

“Logo eu, que nem vim de roupa curta, me vesti de modo tão discreto, uma roupa vulgar, calça jeans, sandália baixa e essa blusa polo apertada.

“Deve ser por isso, blusa polo apertada, está destacando os seios”, sugeriu Magda.

Olhei na direção do homem. Qual não foi minha surpresa! Era o mesmo que me perseguira pela manhã.

“Viu, Vanda, é pra você, ele até sorriu”, falou Marilda.

“Vou fingir que não está acontecendo nada”, disse eu.

“Não faça isso, querida, não vale a pena desprezar ninguém atualmente, as coisas estão tão difíceis, apenas uma conversa, um passeio amanhã ou depois. Eu, você sabe, às vezes saio com o homem no mesmo dia que o conheço, mas não aconselho isso a você”, continuou Marilda.

“Às vezes me sinto tão bem sozinha”, tive tempo de dizer.

“Não invente, Vanda, ninguém gosta de ficar sozinha”, Marilda ainda.

Magda sorriu, Marilda acompanhou-a no sorriso e passou a falar de si própria.

Eu queria ir ao toalete, mas tinha que passar pela mesa onde ele estava. Decidi que mesmo assim iria. Será que eu já me aventurava na direção dele, após um copo de vodca com limão?

“Com licença”, levantei-me e apontei às duas que ia ao banheiro.

Pus-me a caminho. Ao ultrapassar a mesa onde ele estava, ouvi-o chamar:

“Moça, por favor, por favor...”

Olhei-o, mas não de forma muito agradável.

“Segure isso”, entregou-me um telefone.

“O que eu vou fazer com isso?”, acabei perguntando.

“Vou telefonar a você, já que está tão tímida, assim falamos com mais calma; caso você decida, passamos a conversar pessoalmente.”

Segui meu caminho ao toalete.

Na volta, sentei-me junto às minhas amigas, no mesmo lugar que ocupara.

“E então, Vanda, o que houve?”

“Não houve nada.”

“Nada mesmo?", caçoou Magda.

“Deixemos a Vanda em paz, me deixa acabar de contar...”, disse Marilda, e continuou o assunto sobre o qual vinha falando já fazia uns vinte minutos.

Escutei o telefone tocar.

“Com licença”, pedi às amigas e me levantei. Caminhei até o passeio.

“E então?”, ouvi a voz dele.

“E então o quê?”, rebati.

“Você é tão bonita.”

Sorri. Acho que lá da mesa ele olhava para mim.

“Você é muito simpática”, continuou.

“O que você faz sozinho num sábado à noite?”, lancei o desafio.

“Pois é, né? Preciso de uma moça bonita...”

“Moça?”, brinquei com a palavra.

“Acho que sim, você é tão jovem.”

Comecei a me interessar. Senti vergonha por achar que minhas amigas podiam estar me espionando. Mas elas mantinham-se discretas, estão acostumadas a essas coisas.

Tomei coragem:

“Como vamos fazer?”

“Beba mais uma caipirinha com suas amigas.”

“Caipivodca”, corrigi.

“Isso, caipivodca, desculpe. Quando eu vir que você acabou a bebida, ligo de novo, beba devagar.”

“Minhas amigas nada vão reparar, são pessoas discretas.”

“Você então vem para minha mesa agora?”

“Você tem razão, vou fazer primeiro o que sugeriu.”

Voltei à mesa e pedi mais uma caipivodca. Magda e Marilda não se surpreenderam, sorriram e continuaram a conversar.

Às nove e meia eu estava dentro do carro de Sérgio.

“Você não vai me pedir para ficar nua no seu carro, não é mesmo?”, deixei escapar.

“O quê?", pareceu surpreender-se.

“Nada, vamos em frente.”

“Onde você quer passear?”, perguntou.

“Decida você”, suspirei.

“Ok” engatou a primeira. Antes de o carro partir, olhei para o bar. Magda e Marilda laçaram-me dois adeusinhos.