quinta-feira, novembro 03, 2011

Você não vai me pedir que eu fique nua no seu carro, não é mesmo?

A Tijuca é um bairro grande e complexo, começa após a Praça da Bandeira, confunde-se com o Maracanã de um lado e esbarra nas encostas do outro, uma das ramificações segue até a Usina, outra até o Grajaú, e não deixa de fazer divisa com Vila Isabel.

Era sábado de manhã, eu caminhava em volta da praça Afonso Pena, logo ali no início da Tijuca, primeira estação do metrô depois do Estácio. Bonito o lugar. Com espaço para crianças e para adultos, a praça abriga ainda uma pequena academia ao ar livre para os idosos. Já havia percorrido quatro vezes o perímetro da praça quando avistei um homem que vinha na direção contrária. Olhou-me de relance. Completei mais uma volta. Mais ou menos no mesmo ponto onde o vira na volta anterior, vinha ele de novo. Assim os encontros se repetiram por mais uma, duas, três, quatro, cinco voltas.

Na sexta, não mais cruzei com ele. Quando pensava ir embora, já cansada, tendo cumprido meus exercícios diários, reparei o homem às minhas costas. Continuei por mais uma volta. Ele não me abandonava.

Na esquina da Afonso Pena com a Dr. Satamini, atravessei e segui para casa. Duas quadras depois, entrei no prédio onde moro.

Tenho cinquenta anos mas mantenho a forma. Não estou lá essas coisas, portanto não havia motivo para que ele me seguisse. Uma pessoa contaminada pela propaganda de violência nos dias de hoje logo pensaria estar correndo algum tipo de perigo. Mas desde o começo eu tinha certeza de que não se tratava de nada disso.

Quando entrei no apartamento, estava calor. Fui até a janela e a abri. Olhei a rua.

Não me acho nada sensual, por isso me senti feliz por ter sido admirada. E ele, pela jovialidade que transmitia, devia ser mais jovem que eu.

Pensava tê-lo perdido, mas não me sentia em desvantagem. Eu ainda era capaz de atrair os homens, e isso era o que mais importava.

Assim que saí do chuveiro, tocou o telefone. Era Magda. Ela e suas histórias picantes, histórias de namorados, paixões a trezentos por hora. Nada falei, e jamais falaria, sobre a paquera daquela manhã. Esperei que me contasse as novidades.

Disse-me que na noite anterior, ao abrir a porta do apartamento para levar o lixo, deparou-se com a vizinha nua no corredor do oitavo andar.

“Magda, por favor”, falei, “para saber sobre mulher nua, me olho no espelho.”

“Não é por isso que te conto, Vanda, é porque até agora não entendi o motivo de a vizinha estar nua batendo na própria porta.”

“Magda, há malucos e malucas para tudo, ou mesmo pode ter acontecido o seguinte: estava nua dentro de casa e decidiu ver alguma coisa do lado de fora, não quis se vestir porque achou que não havia ninguém ali.”

“É, você pode ter razão, mas para isso ela não bateria na própria porta.”

“Ela viu que você a espreitava?”

“Acho que não. Caso ela tivesse me visto, acho que falaria alguma coisa comigo.”

“Estava claro o corredor?”

“Não, por isso achei estranho. Há um sensor que acende as lâmpadas quando alguém passa. Ela estava bem rente à porta, e a luz não acendeu.”

A conversa se desviou por outros assuntos, a vizinha continuou nua, sem resposta, batendo à própria porta.

“Vanda, na verdade telefonei para perguntar se você quer sair à noite. Vou eu e a Marilda.”

“Aonde vocês vão?”

“Não sabemos, ainda vamos decidir. Queria chamar você também."

“Vocês vão a algum espetáculo, como música, cinema, ou teatro.”

“Dessa vez, acho que não. Queremos sair para beber alguma coisa e colocar a conversa em dia."

“Ok, acho que vou.”

Às 8:30h estava eu no Odorico. Chegara antes delas. O garçom veio me perguntar o que desejava, entregou-me um enorme cardápio. Desculpei-me, disse que esperava as amigas e que beberia naquele momento apenas água mineral. Ele se retirou e não demorou a voltar com a pequena garrafa.

Havia algumas mesas vazias, mas os clientes já começavam a chegar. A maior parte era composta de rapazes e moças, bebiam chope, mas, principalmente as mulheres, também consumiam água. Pude escutar algumas conversas, geralmente tratavam de relacionamentos, sempre histórias sobre outras pessoas. É incrível a capacidade que o ser humano tem de falar de si próprio ao comentar sobre a vida alheia.

Quinze minutos depois, Magda chegou. Beijou-me e sentou. Viera de calça comprida e uma blusa de algodão fino, dessas que se abotoam de cima a baixo, com algumas flores em detalhes, muito sutis, à altura dos ombros. Mais cinco minutos, chegou Marilda. Veio de vestido curto, bem extravagante. Apesar de seus quarenta anos, é a rainha das academias. O corpo semimusculoso tentava escapar pela barra do vestido, sobretudo suas grossas coxas.

“Nossa, aonde você vai assim?”, Magda arriscou.

“Assim?”, quis saber enquanto sentava.

“Tão à vontade...”

“Nunca se sabe.”

“Ou se sabe a intenção?”, insistiu Magda.

Marilda e eu rimos.

“Vamos tomar chope?”, perguntou Magda.

“Não gosto de chope, você sabe, quero uma caipivodca”, reagiu Marilda.

As duas olharam para mim.

“Fico por enquanto na água mineral.”

A conversa começou a girar em torno de um homem que Marilda conhecera havia duas semanas. Magda perguntou onde ele estava naquele momento.

“E eu sei?”

“Como você pode namorar alguém e não saber onde a pessoa está?”

“Caso eu queira, telefono que ele aparece. Mas agora prefiro não fazer isso. Deve estar bebendo com os amigos.”

“E se ele de repente arranja outra?”, insistiu Magda.

“Não preciso me preocupar com isso; se tiver de acontecer, nada posso fazer.”

Eu parecia estranha àquela conversa. Na verdade, estava preocupada com meus exercícios físicos. Fazia tempo que não tinha namorado, por isso nem pensava em tais coisas. Mas, de súbito, lembrei o homem que me seguira naquela manhã.

O garçom trouxe a caipivodca da Marilda, um copo bonito, a cor da bebida era linda.

“Tem caipivodca de morango?”, perguntei.

“Sim.”

“Traz uma pra mim”, pedi.

“Salve, a Vanda vai beber, que bom!”, Primeiro fui saudada por Marilda, depois Magda sorriu e levantou o copo de chope.

Marilda, que só falava bobagem, continuava suas histórias. Pensei, será que essas mulheres não entendem de outras coisas que não sejam homens e o que fazem com eles?

“Sabe, outro dia acho que estava com um vestido também curto, pode até ter sido este, não lembro, pedi a esse novo namorado que me levasse à Barra. Na descida do Alto, ele ficou com as mãos sobre as minhas pernas, tive vontade de ficar nua, mas achei que era cedo pra isso.”

“Você já andou nua num carro com o namorado, não?”, Magda, curiosa como sempre.

“Com um, não, com vários, mas ainda não com esse.”

“Nua num carro?”, perguntei ingênua.

“É, ela tirou toda a roupa e ficou nua no banco do carona enquanto o homem dirigia.”

Minha face, involuntária, demonstrou espanto.

“Não se assuste, Vanda, a Marilda adora essas sensações.”

Quis eu dizer: é mesmo?, mas fiquei em silêncio, enquanto a protagonista de tais aventuras sorvia mais um gole de sua bebida.

O garçom trouxe minha caipivodca. As meninas brindaram comigo. Bebi o primeiro gole.

“Que bom que a Vanda decidiu beber com a gente, esse negócio de apenas água mineral não está com nada”, falou Magda.

A conversa continuava sobre homens e namorados. Magda começou a falar sobre sua mais recente conquista, um namorado da zona sul. Mas não podia sair com ela nos finais de semana.

“Você perguntou se ele era casado”, intrometi-me na conversa antes de ela completar.

“Isso não é pergunta que se faça.”

“Como assim, não é pergunta que se faça?”, eu quis saber.

Marilda riu, e foi ela quem falou:

“Minha amiga, na nossa idade, já aprendemos a ser discretas.”

A resposta não me convenceu. Magda continuou a descrever as qualidades do homem, depois os lugares que frequentava com ele, locais muito chiques por sinal.

A bebida fez que eu me soltasse. Passei a rir do que as duas contavam. Após ter bebido mais da metade da caipivodca, comecei a observar com mais detalhes o rosto de Marilda. Era ela que falava mais. Percebi traços que eu não reparara antes, sua testa parecia estar úmida. Abaixei os olhos, ela se posicionara lateralmente, suas pernas estavam cruzadas e o vestido subira bastante, quase dava para ver a calcinha. Passaram alguns minutos, as vozes das pessoas soavam mais altas. Não sabia se isso realmente estava acontecendo ou se os meus sentidos se tornaram mais aguçados por causa da bebida.

“Olhem ali, mas com cautela, há um homem nos olhando”, afirmou Marilda.

“Sempre os homens nos olham”, observou Magda.

“Mas esse está lançando um olhar arrasador, e acho que é para a Vanda.”

Tomei um susto. Parecia que eu estava dormindo e subitamente acordara.

“Para mim?”, falei sem pensar.

“Para você mesma, mas não olhe agora”, alertou-me Marilda.

“Logo eu, que nem vim de roupa curta, me vesti de modo tão discreto, uma roupa vulgar, calça jeans, sandália baixa e essa blusa polo apertada.

“Deve ser por isso, blusa polo apertada, está destacando os seios”, sugeriu Magda.

Olhei na direção do homem. Qual não foi minha surpresa! Era o mesmo que me perseguira pela manhã.

“Viu, Vanda, é pra você, ele até sorriu”, falou Marilda.

“Vou fingir que não está acontecendo nada”, disse eu.

“Não faça isso, querida, não vale a pena desprezar ninguém atualmente, as coisas estão tão difíceis, apenas uma conversa, um passeio amanhã ou depois. Eu, você sabe, às vezes saio com o homem no mesmo dia que o conheço, mas não aconselho isso a você”, continuou Marilda.

“Às vezes me sinto tão bem sozinha”, tive tempo de dizer.

“Não invente, Vanda, ninguém gosta de ficar sozinha”, Marilda ainda.

Magda sorriu, Marilda acompanhou-a no sorriso e passou a falar de si própria.

Eu queria ir ao toalete, mas tinha que passar pela mesa onde ele estava. Decidi que mesmo assim iria. Será que eu já me aventurava na direção dele, após um copo de vodca com limão?

“Com licença”, levantei-me e apontei às duas que ia ao banheiro.

Pus-me a caminho. Ao ultrapassar a mesa onde ele estava, ouvi-o chamar:

“Moça, por favor, por favor...”

Olhei-o, mas não de forma muito agradável.

“Segure isso”, entregou-me um telefone.

“O que eu vou fazer com isso?”, acabei perguntando.

“Vou telefonar a você, já que está tão tímida, assim falamos com mais calma; caso você decida, passamos a conversar pessoalmente.”

Segui meu caminho ao toalete.

Na volta, sentei-me junto às minhas amigas, no mesmo lugar que ocupara.

“E então, Vanda, o que houve?”

“Não houve nada.”

“Nada mesmo?", caçoou Magda.

“Deixemos a Vanda em paz, me deixa acabar de contar...”, disse Marilda, e continuou o assunto sobre o qual vinha falando já fazia uns vinte minutos.

Escutei o telefone tocar.

“Com licença”, pedi às amigas e me levantei. Caminhei até o passeio.

“E então?”, ouvi a voz dele.

“E então o quê?”, rebati.

“Você é tão bonita.”

Sorri. Acho que lá da mesa ele olhava para mim.

“Você é muito simpática”, continuou.

“O que você faz sozinho num sábado à noite?”, lancei o desafio.

“Pois é, né? Preciso de uma moça bonita...”

“Moça?”, brinquei com a palavra.

“Acho que sim, você é tão jovem.”

Comecei a me interessar. Senti vergonha por achar que minhas amigas podiam estar me espionando. Mas elas mantinham-se discretas, estão acostumadas a essas coisas.

Tomei coragem:

“Como vamos fazer?”

“Beba mais uma caipirinha com suas amigas.”

“Caipivodca”, corrigi.

“Isso, caipivodca, desculpe. Quando eu vir que você acabou a bebida, ligo de novo, beba devagar.”

“Minhas amigas nada vão reparar, são pessoas discretas.”

“Você então vem para minha mesa agora?”

“Você tem razão, vou fazer primeiro o que sugeriu.”

Voltei à mesa e pedi mais uma caipivodca. Magda e Marilda não se surpreenderam, sorriram e continuaram a conversar.

Às nove e meia eu estava dentro do carro de Sérgio.

“Você não vai me pedir para ficar nua no seu carro, não é mesmo?”, deixei escapar.

“O quê?", pareceu surpreender-se.

“Nada, vamos em frente.”

“Onde você quer passear?”, perguntou.

“Decida você”, suspirei.

“Ok” engatou a primeira. Antes de o carro partir, olhei para o bar. Magda e Marilda laçaram-me dois adeusinhos.

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