quinta-feira, novembro 17, 2011

Ela adora situações imprevisíveis

Estava em casa, já desistira de sair naquela madrugada quando ouvi alguém bater. Atendi. Era o João Paulo.

“Oi, Jussara, como vai?” Beijou-me antes de convidá-lo a entrar.

“Tão tarde assim? Já não esperava mais ninguém.”

“Vim fazer uma horinha, tenho um compromisso.”

Só então reparei que ele trazia num cabide um vestido preto, dava para notar que era um tomara-que-caia justo e curto.

“Compromisso? Você agora entrega roupa em domicílio, e de madrugada?”

“Mais ou menos”, respondeu e me mostrou o vestidinho dentro de um plástico.

“Me conte melhor?”, curiosa, eu.

“É da Margarida.”

“Margarida? Já estou até imaginando o que ela te pediu.”

“Jussara, você conhece as extravagâncias da Margarida, não?”

“Deixa eu adivinhar: foi dar uma voltinha nua por aí e pediu para você guardar o vestido dela.”

“Você quase acertou. Ela me telefonou lá pela meia-noite e pediu para levá-la na casa do namorado. Antes de sair do carro tirou o vestido e deixou em minhas mãos. Pediu que eu voltasse três horas depois para buscá-la, quis fazer uma surpresa: chegar nua na casa dele.”

“A Margarida é fogo, não? Só ela tem coragem de fazer essas coisas.”

“João, em vez de convidar você para ficar aqui queria passear um pouco, o que você acha?”

“Mas e esse vestido?”, parecia preocupado com a tarefa que lhe fora incumbida.

“Dá aqui, dou um jeito”, peguei a roupa, levei para o meu quarto e a coloquei sobre a cama. “Pronto, está guardadinho. Que tal uma volta pela orla?”

“Acho que dá tempo, vamos sim”, aceitou de bom grado.

“Conheço um quiosque 24 horas, servem caipiríssimas ótimas.”

Um quarto de hora depois, já dirigíamos no Leblon. “Pare ali, por favor.”

João Paulo estacionou. Descemos. O local estava quase lotado, havia apenas uma mesa, esperava por nós.

“Aqui tem caipiríssima de morango, que delícia, todos adoram!”, sugeriu e pediu duas.

Ficamos ali sentados envoltos pela noite, vendo ao longe as águas do mar, ouvindo alguma conversa entrecortada por tantas outras. Vimos também o casal que faz o papel principal na novela das nove.

“Engraçado”, comentei, “aqui ninguém dá bola pra artista.”

“O Rio tem isso de bom, as pessoas famosas podem sair à vontade, principalmente na Zona Sul, ninguém incomoda.”

Apenas um casal se aproximou e pediu para fazer foto ao lado deles. Atenderam, todos os dois eram só sorrisos.

“Está ótima essa bebida”, falei, “acho que vou querer outra.”

“Eu também, mas vou pedir a próxima de lima da pérsia.”

“E as namoradas?”, perguntei.

“Estão em recesso, prefiro sair com amigas e amigos, atualmente.”

“Jura?”

“Juro. Os amigos são fiéis.”

“Você é ótimo, João, gostei. Posso te fazer um pedido?”, olhei para ele com fisionomia de expectativa.

“Claro, meu amor?”

“Você me leva pra passear lá na beiradinha d'água?”

“Agora, Jussara?”

“Não!, depois que terminarmos, quero passear mais adiante, mostro o lugar a você.”

Bebemos e conversamos por mais uma hora e meia, depois pagamos a conta e caminhamos um pouco pela calçada. Descemos para a areia da praia, num ponto estava escurinho.

“Aqui, João, está ótimo.Venha, me abrace.”

“Se eu não te conhecesse, diria que é o efeito da caipirinha”, me beijou em seguida.

“Já namoramos algumas vezes, não? Mesmo sem ter compromisso, apenas beijos, abraços e algum sexo, você adorou, até pensei que ia me pedir pra casamento.”

Ele riu. Como havia um puco de névoa, as pessoas não podiam nos ver, por isso ficamos muito tempo ali, e foram muitas as carícias. Já que eu começara toda aquela provocação, não pude evitar que ele chegasse ao principal. Acabamos fazendo amor, mas não permiti que me tirasse a roupa, precisou se virar por baixo da minha saia.

Lembramos que tínhamos de ir quando demos com o prenúncio do dia, uma luz violeta se anunciava a oriente.

Foi João Paulo quem deu o alarme: “O vestido da Margarida! Ela me pediu para estar lá às quatro, disse que não ia poder passar dessa hora porque o homem não mora sozinho e outras pessoas iam chegar...”

“Vamos ligar pra ela, de repente ainda dá tempo”, levantei e sacudi minha roupa para livrá-la dos grãos de areia.

“Mas ela não levou o telefone”, meu amigo estava assustadíssimo.

“Não levou o telefone? Então a Margarida quer é amanhecer nua mesmo.”

“Será?”

“Com certeza. Ela adora situações imprevisíveis. Não precisa ficar tão assustado.”

“Acho que ela vai me cortar do rol de seus amigos, e gosto tanto dela...”

“João, escute, fique tranquilo, a Margarida vai até te agradecer pelo esquecimento, e depois ainda vai nos contar o que aconteceu morrendo de rir.”

“Posso então confiar em você?”

“Claro que pode, e tem mais, deixa que eu mesma entrego mais tarde o vestido para ela.”

Meu amigo se conformou, mas não sem uma ponta de contrariedade.

Quando telefonei pra Margarida à tarde, não havia ninguém em casa, e o celular estava na caixa postal. Deixei o recado na secretária eletrônica.

Ao terminar de escrever essa história, já vai fazer 24 horas que ela saiu nua do carro de João Paulo. Ainda não temos notícias dela.

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