Imaginem uma festa num castelo, tudo preparado com o máximo esmero, observados todos os detalhes: móveis, decoração, aparadores, louças, talheres e cristais; os mais variados coquetéis, comidinhas e o jantar; os garçons, discretos e experientes. No lado de fora, um bosque extenso, diversas plantas e árvores, aqui e acolá veredas onde é possível passear, respirar sem pressa o ar noturno e apreciar o que a noite pode oferecer de melhor.
As mulheres desfilam com jóias, roupas reluzentes, tecidos de cetim, rendas sobre o forro dos vestidos, há quem traje saia ou vestido de veludo, tudo na mais perfeita elegância. Caso a roupa seja curta, não há extravagância, sempre o caimento perfeito; os homens, de smoking ou terno, também adoráveis.
A orquestra toca quase sem parar. Danço duas valsas, depois um bolero, e até mesmo um tango. De repente, os músicos se soltam num rock ‘n rol envolvente, somos todas arrastadas.
Os homens não cansam de estar a nossa procura. Além de a todo o momento nos chamarem para dançar, há convites para ir lá fora, tomar um drinque ao ar livre, fumar um cigarro ou mesmo uma cigarrilha com piteira. Mas permaneço num dos salões, se não no principal pelo menos num onde posso ser observada.
Mary quer me mostrar algo.
“Está tão bom aqui, olhe aquele homem com o copo de uísque numa das mãos, está nos olhando, será que é pra mim ou pra você?” pergunto.
“Lógico que é pra você, Marg, aqui todos não tem olhos para as outras mulheres.”
“Quero acreditar!”
“Vamos lá fora que ele vem atrás.”
“E quem falou que o quero junto a mim.”
“É rico, Marg.”
“Rico ou riquíssimo?”
“Riquíssimo, é verdade, mas vamos, ele não nos deixará escapar.”
“O que você quer me mostrar lá fora, Mary? Com ele perto, não poderei apreciar.”
“Ah, é mesmo, já ia esquecendo, mas a gente disfarça.”
Saímos as duas, mergulhamos numa das aleias do bosque. Logo depois da segunda vereda transversal, ouvimos sussurros, ou mesmo gemidos. Escondemo-nos atrás de um arbusto. Dali podemos ver um casal, a moça abaixada junto às pernas do rapaz.
“Mary, só você não sabia disso, nessas festas é o que acontece de mais comum...”
“Não é apenas isso, Marg, sei que há um casal em cada canto, e não fazem só sexo oral. Quero mostrar a você uma coisa que descobri adiante.”
Rumamos na direção norte do bosque. Vez ou outra a vegetação sibila, o céu claro permite observar toda a beleza do lugar; a luz elétrica é pálida, distante, desnecessária. Ao ultrapassar um lago, encontramos algumas estátuas, todas de mármore. Mas uma está vestida, e com roupa de grife.
“Não é o vestido de Joana?”, Mary tem a dúvida.
“Ou um parecido”, insinuo.
“Mas não é possível haver dois vestidos desse tipo.”
“Mary, não faz uns minutos vi Joana com o filho do príncipe, estavam dançando.”
“Também reparei, principalmente quando saíram.”
“E o que o vestido dela está fazendo aqui?”, pergunto.
“Chamei você para esclarecer essa questão, já que é escritora.”
“Ah, Mary, deixa eu dançar, e havia um homem riquíssimo me apreciando.”
“Não se preocupe, ele deve estar atrás da gente.”
“Mary, tive uma ideia brilhante, veja se a estátua ao lado está limpa.”
“Claro que está, Marg, aqui os empregados deixam tudo brilhando, seja dia ou noite.”
Num movimento rápido, tiro a roupa e visto a estátua que está ao lado da que exibe o vestido da princesa.
“Marg, o que você está fazendo?”, surpresa no rosto de Mary.
“Me divertindo um pouco”, fico só de meias, calcinha e salto alto, “sorte o tempo estar fresco”, digo.
“Marg, você é louca, se aparece alguém?”
“Visto o vestido da princesa e corro.”
“Marg, estou ouvindo passos, não temos tempo, abaixe-se.”
Escondemo-nos num canteiro de roseiras, há uma espécie de palmeira, o esconderijo não nos é muito favorável.
Aparece então o homem. É aquele que Mary chama de riquíssimo. Aproxima-se das estátuas, olha vagaroso o meu vestido; depois, o da princesa; volta-se para frente, esquadrinha o local com cuidado, parece temer um possível espião. De novo, vira-se para as estátuas. Prefere o meu vestido. Toma-o nas mãos, despe a estátua, enrola o vestido e o esconde dentro do paletó.
“Marg, corra até ele, diga que o vestido é seu”, sou a nua, mas a desesperada é Mary.
O homem riquíssimo aproxima-se da outra estátua.
“Calma, amiga, primeiro devo fazer algum tipo de encenação”, estou tranquila.
"Bonito, não?", materializo-me ao lado dele. O homem toma ligeiro susto, explora o meu corpo e, envergonhado, estende a mão entregando-me o vestido. Seguro-o e o coloco sobre um dos braços da mesma estátua onde está o da princesa. A mulher, solícita, é uma aia que traz a roupa para sua senhora. Pego meu admirador pela mão e o puxo para dentro do bosque. O perfume das plantas é mais intenso; as árvores, acolhedoras. Mary já não está à vista.
Após muito tempo, ainda entre a cúmplice vegetação e nos braços do furioso amante, lembro-me da princesa e dos vestidos. A essa hora ela e o príncipe já acabaram. Fecho os olhos, sinto dois arrepios: um por causa de novo aconchego no corpo do jovial amante; o outro, quero voltar para festa vestidinha...
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