Lenilda entrou no ônibus e misturou-se aos passageiros. Tornava-se novamente anônima em meio a tantas pessoas. E, para completar sua tranqüilidade, a linha era a mesma que usava para voltar a casa. John ficara para trás, ela nem mesmo virou a cabeça para sorrir a ele. O veículo seguiu seu caminho, pouco a pouco foi deixando as avenidas do centro para arrastar-se pelas ruas do subúrbio.
O copo de bebida refletia a cor vermelha. Sempre quisera saber que bebida era aquela, mas nunca perguntara. Quando John lhe oferecia, recusava com polidez e simpatia. Mas o vermelho da bebida girava em sua cabeça, transformava-se num mundo novo, cidades distantes com pessoas por todos os lados, lojas, restaurantes, hotéis e aeroportos.
Uma peça de roupa, um presente. Ela sorriu e agradeceu. Mas não poderia levar, não estava acostumada a chegar em casa com um presente sem que todos pedissem para ver o que ela carregava. A não ser que... A não ser que vestisse ali mesmo o presente. Ninguém saberia o que ela ganhara, não era o tipo de presente para ficar à mostra.
Os braços de John, como eram fortes; ela não estava acostumada, jamais se relacionara com um homem tão robusto, ele podia levantá-la com apenas uma das mãos, ele podia acariciá-la com a ponta dos dedos. Mas temia toda aquela força. No começo, tudo é de uma intensa doçura, mas com o passar do tempo, quem sabe, ele podia usar toda aquela força contra ela. Portanto, ela não se entregaria totalmente.
A suíte estava escura, melhor assim. Não, por favor, não acenda a luz, fiquemos na penumbra, também não vamos conversar, deixemos o diálogo a cargo de nossos corpos. Fora mesmo ela que dissera tais palavras? Na verdade, ouvira-as numa telenovela, e das mais vulgares, talvez de bom apenas as palavras. Mas as mãos de John, como eram aveludadas.
Maria Alice. Isso, onde estava agora a falsa amiga? Contava cada história, episódios arriscados, escapadas espetaculares. Seria tudo verdade? Maria Alice mostrou um retrato em que estava nua. Quem tirara? Um dos namorados. E ela os tinha às pencas. E o marido? Ah, ele não queria saber de nada, e ela divertia-se tanto... Maria Alice. Mas seriam verdadeiras as histórias? Pode ser que as inventava para que ela contasse as suas. Talvez tudo fosse mentira, queria, isto sim, saber as suas verdades; caso deixasse escapar alguma das aventuras, tudo estaria perdido. Lenilda apenas ouvia, ouvia, ouvia. As histórias tinham contradições. Um dia descobriu o livro de onde Maria Alice tirava aqueles relatos. Tudo literatura.
Não existe amigo nem amiga, todos estão na mais completa solidão. Não há a quem se dirigir, todos são suspeitos. Tudo que falamos pode se voltar contra nós. Lenilda guardava a própria angústia. John não era seu amigo, não era seu amante, era um homem que uma vez por semana a deixava nua, subia sobre seu corpo, gozava e lhe fazia gozar.
Havia a imagem de um rio. Sua cidade, porém, não possuía nenhuma espécie de rio, nem mesmo um córrego. Mas a imagem do rio sempre lhe vinha à mente. Talvez um sonho, talvez em uma viagem ficara a fixação. Mas ela jamais viajara.
A praia não era distante, John queria levá-la até lá. Mas ela só podia se fosse no começo da noite. Combinado. Foram até a praia. Mas um vento forte não deixou que eles caminhassem sobre as areias por muito tempo. E John queria despi-la ali mesmo. Estás louco? Queres me deixar nua? Repetiu as duas frases. Você gosta de aventura, foi o que ele falou, você gosta de aventura, repetiu. Olhe lá, uma jovem com o namorado, está muito à vontade, por que você não pode estar também como ela? Por quê? Lenilda correu, queria ir embora. Mas John alcançou-a, segurou-a com um beijo. Lenilda dizia que os beijos de John causavam-lhe paralisia. Está bem, acabara por concordar, tire toda a minha roupa, mas vou morrer de frio.
Não morreu de frio, o corpo musculoso do amante serviu-lhe de anteparo.
Lenilda, vem comigo, teu marido tem mais trinta anos que você, vem comigo Lenilda, mesmo que seja nua.
Abraçaram-se, beijaram-se, perderam-se no tempo. Não puderam ouvir o sussurro do casal de namorados. Mas eles não sussurravam, apenas mãos, músculos e sexo.
O ônibus entrou no bairro em que Lenilda morava.
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