quarta-feira, dezembro 26, 2012

Faz parte do show

Estou sentada, de pernas cruzadas, esperando a minha vez, porém nua. Isso mesmo, sem roupa alguma. Cheguei ao apartamento faz vinte minutos. O homem atendeu e perguntou: “candidata?”. “Sim”, sorri, tenho de ser simpática. “Entre, por favor.” Segui aquele que parecia ser uma espécie de assistente. Trouxe-me até esta sala, vazia por sinal. “Tire toda a roupa, pendure-a no cabideiro e sente-se ali”, apontou a cadeira, único objeto existente no cômodo além do cabideiro. “É para tirar a roupa toda, entendeu?”, completou. “Sim”; monossilábica, respondi.

Enquanto espero, lembro-me de um namoradinho, já faz uns sete anos, nunca mais o vi. Na época, levou-me para uma casa de praia e insistiu para me fotografar nua. Sentei numa cadeira muito parecida com esta, só que de ferro, dessas que se alugam com mesas para festas; cruzei as pernas para um lado, para o outro, depois fiquei de pé, de frente, de lado, de costas com o pescoço virado e o rosto olhando para a câmera. Numa das fotos ele me pegou de surpresa, quis me fotografar antes de eu estar preparada. Rápida, tentei dar as costas e tapar os seios com a precariedade das minhas pequenas mãos, um gesto instintivo e inútil. Ele clicou. Até que a foto ficou engraçada. A mais bonita, porém, é aquela em que estou sentadinha como agora, as pernas cruzadas, os seios cobertos parcialmente por um dos braços.

Aqui neste estúdio, penso: para onde me irão levar? Tenho tanto receio de ficar longe de minhas roupas. Mas tenho de representar. Qualquer ponta de temor seria considerada uma fraqueza. Será que me vão mandar nua para casa? Acho que não chegam a esse ponto. Talvez eu até possa processá-los caso isso aconteça. Mas já não conseguiria ser candidata em lugar nenhum. Para quem se aventura nesse ramo, não é possível a mínima hesitação. Luzia disse que a levaram nua para passear de automóvel. Eles nos conduzem de um lado a outro, falam com diversas pessoas da produção, pedem que esperemos, até esquecem que estamos sem roupa na frente de tanta gente. Essas pessoas também parecem não nos reparar, tratam tudo como a coisa mais normal no mundo.

Tenho uma amiga chamada Isa. Na verdade ela já é uma senhora, quase trinta anos mais velha do que eu, e gorda que só. Às vezes vou com ela à praia. Usa um biquíni mínimo, apesar do peso. Quando estamos dentro d’água, cobertas até o pescoço, ela pede: “Sandra, leva o meu biquíni aonde estão as nossas coisas e guarda ele bem escondidinho?” Ela, então, me passa o top e a calcinha. “Isa, se te descobrem nua, você vai passar a maior vergonha”, não deixo de mostrar a minha preocupação. “Não descobrem, não, ninguém olha pra uma mulher gorda.” E fica um tempo enorme tomando banho de mar. Certa vez permaneceu dentro d’água a tarde inteira. Ninguém notou sua nudez. “Sinto um prazer enorme nisso”, segreda-me. “Qualquer hora vou fazer como você”, afirmo. “Aí vai dar problema”, ela diz, “você é muito bonita, todos os homens estão te olhando, é bom ficar nua ao teu lado porque os homens só têm olhos pra você, eu fico invisível.” Rimos as duas.

“Psiu, psiu, Sandra”, chamam-me lá de fora. Levanto e vou até a janela. Vejo num apartamento do bloco em frente um grupo de mulheres: “Vem aqui, vem aqui”, gritam. Fico sem entender. “É com você mesma”, continuam, “venha até aqui.” “Não posso, estou esperando o assistente”, retruco. “Vem, vem”, continuam, “faz parte do show.”

Ouço sons dentro do cômodo onde estou. É o assistente que volta. Olha para mim e diz: “faz parte do show”, vira as costas e sai. As moças continuam a me chamar. “Vem, vem.” “Como faço pra ir até aí?” “Saia do apartamento, vá ao corredor, tome o elevador e desça ao térreo, atravesse o jardim e entre no outro bloco, sexto andar, 601”, grita a mais espevitada. “Estou nua!”, mas elas sabem, a mesma voz fala de lá: “faz parte do show.”

Respiro fundo, deixo o apartamento e aperto o botão para chamar o elevador. De repente o mesmo assistente aparece ao meu lado. “Me dê o iphone, você já postou muita coisa hoje." “Um segundinho”, dou as costas, imagino ele olhando a minha bunda. Lá vou eu, nua porta afora, depois conto o final... Feliz 2013 p/todos vocês!

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