sexta-feira, maio 24, 2013
Toda serelepe
Você fala que saí na foto toda serelepe. Gostei da palavra, tão
mimosa. De agora em diante vou me portar assim, toda serelepe. Reparou o meu
rosto? Não olho na direção da câmera, mas um pouquinho para baixo, como se
quisesse observar os pés de quem me fotografa. Então parece que me escondo,
parece que não consigo evitar uma ponta de vergonha. Notei também que lhe
agradou a minha sandália, bonitinha, não? Vermelha, de meio salto. Tenho
certeza de que a pose é encantadora, eu bem esticadinha, as pernas
juntas, o braço esquerdo encostado ao corpo. Com o braço direito seguro a
coleira de minha cadela, Lana, que aparece à direita. Bonita ela, é jovem, não
tem ainda um aninho. Adora passear com a dona. Repare a lateral, à esquerda de quem olha,
e o fundo da fotografia. Há o calçamento, um meio muro com plantas; atrás, o
jardim de uma casa; é possível também enxergar um homem, ele olha de modo
disfarçado para mim. Acho que o surpreendi. Volte os olhos ao meu
corpo. Veja a pulseira de contas que uso no pulso direito, acima da mão com que
conduzo Lana. Gostou? Ah, outro detalhe, minhas unhas vermelhas combinam com a
cor da sandália. O mais interessante, porém, é meu sorriso. Aparento certo
vexo. Também não era para menos, você não acha? Que outra expressão eu poderia
trazer? Repare os meus seios. Não sou tão narcisista assim, mas os acho tão
bonitos, tão – como dizem por aí – bem feitos. Reparou o umbigo? Que delícia,
não é mesmo? Desça os olhos mais um pouquinho. E então? Não posso dizer mais. Eu, na rua,
de manhãzinha, eu e minha cadela. Precisei ter muita coragem. Como poderia
transmitir desenvoltura assim tão... tão...? Repare o pelo da Lana, muito bem
tratado; agora volte a vista, me observe de novo. O meu pelo? Não, não tenho
pelo... Na verdade, vou em pelo! Por isso a ponta de vexo, por isso, talvez, toda
serelepe!
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