quinta-feira, maio 16, 2013

Você tem um corpão...

“Você tem um corpo e tanto”, o hóspede falou enquanto eu providenciava o jogo de toalhas que a camareira deixara de colocar. É lógico que eu não podia sorrir, estava acostumada a esse tipo de cantada e a seriedade, mesmo que forçada, é sempre golpe poderoso para desarmar os homens.

“Você tem um corpão!”, insistiu agarrando-me o quimono.

Acabei sorrindo, mas de um jeito delicado, não queria que visse na minha atitude um destrato, pois vinha à cidade a trabalho e se hospedava no hotel quase toda semana.

A camareira chegou com o novo jogo de toalhas, entrou e o colocou sobre a cama. Agradeci. Ela pediu licença e se retirou.

“Está bom assim?”, perguntei séria, recomposta.

“Está, mas com você por perto é melhor.”

Sorri mais uma vez, me despedi e saí do apartamento.

Sou gerente do hotel há alguns anos, sempre procuro primar pela eficiência. Queremos manter o cliente, ele é o mais importante para nós.

Quando aquele hóspede desceu e passou por mim – eu estava próxima à recepção –, piscou o olho.

Não mais o vi naquele dia. Mas no seguinte, ao entardecer, a recepcionista procurou por mim: “o hóspede do 803 está à sua procura”. Tive vontade de perguntar o motivo, mas refleti e fiquei em silêncio. Liguei para o 803.

“Alô?”, escutei sua voz.

“Pois não, do que se trata dessa vez?”, perguntei com frieza.

“Você poderia vir até aqui?”

“Não é melhor dizer o que deseja? Subo e resolvo seu problema de uma vez por todas.”

“Ah, que ótimo, vou lhe dizer, então...”

Subi. Ele deixara a porta aberta. Mesmo assim bati de leve com o nó de um dos dedos.

“Entre, por favor.”

”Ok, e então?”, perguntei com uma ponta de sorriso.

“Você tem um corpão...”

“Não é permitido assediar as funcionárias do hotel”, falei.

“Não estou assediando você, mas admirando, já lhe disse, você tem um corpo e tanto.”

“Sabe que posso chamar a polícia e registrar queixa contra você?”

“Sei, mas você não vai fazer isso, não é mesmo?”

“Você sabe quantas vezes por dia ouço esse seu elogio?"

“Imagino”, respondeu com uma dose de alegria.

“Então de agora em diante, exijo que você me respeite. Trabalho aqui faz três anos e nunca dei confiança para hóspede algum.”

“Ok, me desculpe, pensei que estivesse gostando da paquera.”

Dei as costas e desci. Entrei no escritório e sentei. Tirei da bolsa um pequeno espelho, olhei meu rosto, os olhos, a pintura.

Tive uma amiga que dizia a mesma coisa: "você tem um tremendo corpo, se o meu fosse assim eu estava feita." "É mesmo?", eu retrucava. Ela concluía: "Se sem ser tão bonita como você já arranjo uma porção de admiradores, ganho deles tantos presentes, imagine se eu tivesse o corpo como o seu." 

Você tem um corpão... Lembrei a voz do engraçadinho. Se ao menos usasse um pouco de sutileza, quem sabe, até me levava o biquíni. Continuei a me olhar no pequeno espelho. De repente, tomei nas mãos o telefone e liguei para a recepção. Ao ouvir a voz da funcionária, falei: "por favor, Aline, me ligue com o 803. Quando o homem atendeu, falei com uma ponta de ironia:

"Você tem um corpanzil!"

"Corpanzil?", pareceu surpreender-se; talvez por estranhar a palavra, talvez por reconhecer minha voz.

"É como se diz corpão à maneira culta", completei.

Deu uma sonora gargalhada. Quando amainou o riso, concluí:

"Desce ao segundo andar e bate no 201, é o meu escritório, tenho uma coisa pra te mostrar.

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