segunda-feira, março 30, 2015

A faltar uma blusinha

Ai, acordar peladinha depois dessas festas, nem lembrar como tudo aconteceu... Ainda estou morrendo de sono, acho que são nove ou dez da manhã. É o sítio de Mariinha, quanto a isso não posso me enganar. Quando eu morava em BH, as festas eram mais discretas. Cidade grande é outra história. Aqui, nesse lugarejo, as meninas são de um fogo terrível. O pior é que acham que lá, na cidade grande, as mulheres são mais atiradas que cá. E querem imitá-las. Pior que imitam apenas uma ideia. Então marcam essas festas, onde acabamos quase todas nuas, mesmo que de uma nudez disfarçada, e dormindo em casas alheias, nem sabendo onde foram parar uma das blusas. Isso mesmo, sempre desaparece uma blusa; já aconteceu de sumir uma saia. Como voltar para casa em tal circunstância? É preciso que alguém empreste uma roupa, como um casaquinho de meia estação. Depois vamos até o Shopping, a 120 km da cidade, comprar novas roupas. Aqui em Minas todas vivemos de aparência. É lógico que é o único modo de a sociedade nos aceitar. Fingimos. Em nossos trabalhos somos exímias profissionais. Uma de nós é dentista. Não digo qual, não quero dar pistas sobre as amigas, quem sabe eu? Mas voltando às festas, são de lascar, isso mesmo, acho que é essa a palavra, porque como diz o mineiro do campo, são de tirar o couro. Como não podem nos tirar o couro real, nos tiram a roupa. Depois, dão no couro! Muitas querem ter namoradinhos, curtir a vida a dois, casarem-se. Mas já pensaram sobre? Casarem-se? E quem já passou por isso tudo, quem já cansou? Não se pode viver para o marido, nem para os filhos. É bom ter filhos, não nego, mas não se pode viver em função deles durante toda a vida. Então apareceu a Mariinha e deu a ideia. Chamou as mulheres mais destemidas da cidade e convidou-as todas. Mas, Mariinha, alguém há de acabar descobrindo, afirmou uma. Não, basta que fiquemos de boca fechada, ela retrucou, e não precisa que as festas aconteçam sempre, três ou quatro vezes ao ano é o suficiente, e nada de homem da cidade, acrescentou a promotora. Engajamo-nos na brincadeira, mulheres da cidade e outras que ficavam nela apenas parte do tempo, como médicas, a tal dentista e professoras. O local seria um sítio, a 40 km, na serra de G, digamos assim. Na primeira das festas, não aconteceu nada demais. Apenas comemos, bebemos e dançamos... como dançamos! Homens de menos, mulheres sempre mais numerosas. Fizemos mais duas festas, a frequência aumentou e também a quantidade de homens, mas as mulheres sempre mais numerosas. Na quarta festa, propus que mudássemos o local, precaução apenas. Alguém já está comentando pela cidade?, quis saber a amiga. Não, nada ouvi, mas sabe como é, melhor não facilitarmos. Nas festas seguintes, fomos a uma pousada, era de uma das frequentadoras dos eventos. Numa pousada, algumas se assustaram, isso pode soar mal. Há no lugar um grande salão, e depois, fica-se mais à vontade. E passamos a alternar, uma vez no sítio de Mariinha, outra na pousada. Vieram homens de longe, inclusive de BH, acharam a nossa ideia maravilhosa. Exercíamos nossas profissões durante os dias, éramos as pessoas mais sérias da cidade, mas durante as festas a liberdade era total. Até mesmo vieram algumas mulheres casadas. Mulheres casadas, assustei-me, podem arrepender-se e sair comentando por aí. Nada disso, rebateu Mariinha, tenho o nome de todas, estão arriscando o próprio casamento, e é lícito que se divirtam. E vinham elas, mais sorridentes do que todas nós, mais provocantes, arrumavam-se num dos banheiros da casa, transformavam-se em autênticas piranhas. Não há problema que namoremos, disse a dona do sítio, o importante é que não vire rebu. Achei engraçada a palavra, rebu. Daí em diante já se via uma ou outra agarradinha com seu par, depois a sair ao ar fresco, até que alguém falou pois não há um quarto com cama? Concordou-se, então. A respeito do quarto e da cama. E as festas, oh, uma beleza. Mas nada pode durar para sempre, trata-se de uma verdade absoluta. Fizemos a última ontem, a de despedida (será?). Já está dando na pinta, surpreendeu-me a amiga. Mas até na última acordar peladinha, e sempre a faltar uma blusinha...

segunda-feira, março 23, 2015

Nua dentro da piscina e um amor lésbico

Como a água da piscina estava gelada, num primeiro momento eu quis voltar para a cadeira onde havia alguns minutos eu me sentava.

Eleonora me olhou, sorriu e disse:

Você vai acabar gostando da ideia.

Ela pedira que eu ficasse em pé, bem na beirinha, pois queria comparar o meu corpo ao dela. Contara que precisava emagrecer e que eu servia de modelo a ela. Como sou narcisista, exibida e metida a gostosa, me coloquei como pediu, fiz até uma pose. Ela veio se aproximando, chegou bem pertinho.

Vire de costas, por favor, falou terna.

Prontamente atendi. Coloquei o bumbum voltado para ela.

Muito rápida, ela desfez os lacinhos do meu biquíni e me empurrou para dentro da piscina.

Agora você fica de molho aí, falou depois que eu voltei à tona, sorriu e correu não sei para onde levando a parte inferior do meu biquíni. Logo Eleonora reapareceu, mas de mãos vazias.

Nos primeiros segundos, fiquei furiosa, pois a frase que ela dissera, de que eu ia acabar me acostumando, me deixou muito aborrecida. Jamais eu quis ficar à mercê de outra pessoa. A água gelada, no entanto, pouco a pouco começou a me causar um intenso arrepio e chegou provocar sensação agradável entre as minhas pernas. A preocupação que passei a ter naquele momento foi a possível chegada de outras pessoas. Mas isso acabou aumentando a tal sensação, era como estar deitada sob o sol e medir o tanto que sua quentura nos toca la no fundo.

Volte aqui em cima, ela sugeriu, volte que devolvo o biquíni.

Mas se aparecer alguém, repliquei enquanto segurava na borda e a água escorria pelos meus cabelos.

Não vai surgir, não, ainda é cedo. A não ser que você esteja gostando da brincadeira, acrescentou com certo sarcasmo.

Para não dar o braço a torcer, falei:

Já fiquei nua várias vezes, mas na praia, e pelas mãos de um namorado.

Não sei se minhas palavras a excitaram. Sem que eu esperasse, ela saltou na piscina. O choque do seu corpo na água fez um barulho imenso, pois era gorda. A água respingou por todo lado. Ela nadou na minha direção e me segurou pela cintura.

Pode também me deixar nua, ordenou, vamos, não demora porque chega alguém.

Tirei o seu biquíni e o arremessei longe, bem mais adiante de onde ficavam as espreguiçadeiras.

Você poderia ter sido um pouquinho mais discreta, falou e começou a me fazer carinho.

Juro, foi a primeira vez que estive nas mãos de uma mulher, agora sou eu que falo, e para você, querido leitor. As pessoas sempre desejam saber o desfecho das histórias, não é mesmo? Eu poderia deixar em aberto. Mas conto como acabou.

Ficamos as duas dentro d’água um tempo enorme. Ela conseguiu me provocar vários orgasmos. Talvez seja esse o ponto positivo no relacionamento sexual entre duas pessoas do sexo feminino. Quando acabou, já havia duas mulheres nas espreguiçadeiras. Até então não tinham dado por nós.

Eleonora saiu nua da piscina, e as mulheres continuaram sem nos observar. Ela demorou um tempo enorme para voltar. Fiquei preocupadíssima, pensei que me deixaria nua dentro d’água pelo resto do dia. E a água estava tão clara. Mas acabou retornando. Arremessou o meu biquíni bem no meio da piscina e gritou:

Não falei que você acabava gostando.

Só então as duas mulheres se voltaram par nós. Aproveitei para mergulhar fundo. Enquanto tentava recuperar a calcinha tinha onde enfiar a cabeça.

Até mantive outras relações lésbicas. Mas confesso, prefiro os homens, com toda complicação que eles arrastam atrás de si. Não há melhor coisa do que dar uma boa trepada com eles.

terça-feira, março 17, 2015

Duas noites de loucura

Estou diante da porta do quarto dele; o corredor, escuro; atrás das outras portas, o silêncio. Apenas eu em meio às sombras da meia noite e meia. Dormem os outros os hóspedes. Nenhum reflexo de luz, nenhuma réstia a escorrer por baixo das portas. Uma noite plena após um dia de trabalho árduo. Mas para que entendas, interessado leitor, volto ao começo desse romance fugaz. Ou, caso esteja cometendo algum tipo de exagero ao nomeá-lo assim, passo a chamá-lo lúbrico atrair de corpos. Como a fruta da oliveira que banhada em óleo próprio, virgem e natural, nos desliza garganta abaixo. Mas sejas rápido na leitura, não te deixes enfeitiçar por metáforas que tentam fazer saltar tua pele e abrir teus poros... Do contrário, serei surpreendida nua por algum hóspede inesperado. E poderei cair em mãos estranhas.

Na primeira vez em que me aventurei ao seu quarto, vestia uma camiseta comprida, ia quase até os joelhos. Mas, agora, minhas frágeis asas de borboleta e o odor adocicado que emano do corpo (aquele odor que captura os homens) não me permitem vesti-la. Boa desculpa para não dizer que ele ma tomou. Deixei-a no seu quarto após a noite de amor. Queria continuar a sentir o meu cheiro após o amanhecer. Ao menos foi o que entendi ante o seu olhar insistente, olhar que também me convidava à noite seguinte. Saí rápida, fechei a porta em silêncio e corri ao meu quarto. Ainda bem que deixara a porta destravada, a chave por dentro. Talvez a perdesse no afã do amor, talvez não tivesse para onde voltar... Enlouqueço enquanto amo. Quem sabe, melhor assim. Mas a verdade é que estou de volta a ele. Basta o dobrar da maçaneta e dois passos. Adiante, o abismo. Talvez o amor seja esta tênue sombra do outro a nos tocar momentaneamente o corpo, a ameaçar a nos deixar nua em terra estrangeira. Sem roupa e sem linguagem. Não quero de volta a camiseta. É o ponto claro em meio à escuridão da madrugada. E é a minha última noite.

Viajo toda semana a M, onde trabalho na área de saúde. Sempre a mesma vida, sempre a rotina do viajante. A pousada é de uma velha conhecida. De duas semana para cá, aconteceu algo que me deixou de início excitada, depois inteiramente louca. É lógico que consegui, embora a duras penas, manter a discrição. Ao menos até ontem. Um homem especial se pôs a me olhar. Trata-se de um homem de poucas palavras. Como chegar a ele?, pensei. Não posso dar a primeira carta. Ainda bem que existe uma padaria por perto. Ele estava lá. Comia um sanduíche de presunto. E olha que prefiro queijo. Mas tudo bem, era ele quem comia. Seus olhos me penetraram mais fortes do que qualquer palavra, qualquer frase, qualquer verso de poeta antigo. Não chegou a dizer o que o traz à cidade, ou o que o levou à tal pousada. Mas ouvi com delicadeza o que os seus olhos diziam-me. Permaneci ao seu lado. Éramos dois velhos amigos que já não precisam de palavras. Bebemos do mesmo suco. Voltamos juntos. Entramos e fomos para os nossos quartos. Duas horas depois, ouço dois toques à porta. Abro. Ninguém. Fecho a porta. Não demora e agora três toques. Abro. Ninguém. Ou melhor, um cartão com o número 23. Deixo correr os ponteiros do relógio. Passa uma hora. Ele deve estar pensando que não vou. Mais trinta minutos e corro até o seu quarto. Onde o vinte e três? O que acontecerá caso eu me engane de porta? Alguém abre a porta. É ele. O olhar pleno. Mergulho nos seus braços, atravesso o seu corpo. Muda. Pra que as palavras? quase chego a sussurrar. Consigo, porém, resistir à emissão de qualquer voz. Apenas os guinchos do sexo, os rasgos de amor.

Estou de volta. Muda. Melhor apenas os corpos a se tocaram, a exalarem perfumes ainda que dúbios. Nada sabemos um do outro. Nem mesmo quem nos espera em nossas cidades de origem.

Ao viajante o campo é sempre neutro, a pele sempre lisa. E apraz a roçar num canto da memória duas noites de loucura.

quinta-feira, março 12, 2015

Vale encantado

Estava hospedada no hotel fazenda Vale Encantado, no interior do estado do Rio de Janeiro, em meio a montanhas. Um local de onde não mais se deseja sair. Acompanhava minha filha, meu genro e minha neta. Por falar em neta, o local é um paraíso, principalmente para as crianças. Há várias piscinas, parques, brinquedos, campos para jogos, recreadores e, mais adiante, um lindo bosque. 

Apesar de já ter entrado nos cinquenta, tenho o corpo muito bonito, e, para completar, uso um biquíni mínimo, não é preciso dizer que a parte de trás é apenas aquela tirinha estreita, que entra toda no meu bumbum. Adoro. Minha filha não tem coragem de usar biquíni semelhante.

No segundo dia no hotel, depois de no dia da chegada ter ficado o tempo inteiro na piscina brincado com a minha neta, notei que um senhor me olhava com algumas intenções que não eram a de apenas apreciar a natureza.

Logo que voltei à piscina – já sentia o sol me queimar – ele apareceu ao meu lado, o cabelo curto escorrendo água devido ao recente mergulho. Cumprimentou-me, puxou conversa. Como faria qualquer pessoa educada, correspondi ao seu assunto.

Era viúvo, mas também viera acompanhando familiares. Isso não vai dar certo, pensei. Depois de algum tempo a falar sobre a beleza do local, o clima agradável, a necessidade que temos de passar alguns dias de papo para o ar etc., convidou-me para ir ao bar.

"Bebo uma caipirinha", salientei, "apesar de minha bebida preferida ser vinho. Acho que não há vinho no bar da piscina."

"Acompanho você na caipirinha, depois tenho uma surpresa", falou. 

Imaginei o que ele já estava aprontando. 

No bar, minha filha passou por mim e fez a cara de sonsa que costuma representar quando me vê acompanhada de algum homem. Não correspondi. 

Quando já bebíamos nossas caipirinhas, meu pretendente falou:

"Sabe qual a surpresa? Trouxe comigo duas garrafas de vinho italiano, convido você para beber à tarde", sorriu com ar conquistador. 

Demorei um pouco para dizer se aceitava ou não, mas acabei dizendo que seria um prazer. 

"Convide também seus familiares", disse ele, “caso apreciem um bom vinho.”

Naquela tarde todos bebemos um delicioso Corvo. Meu admirador chamava-se Abelardo. Falou muito sobre as vantagens das férias naquele sítio. Disse que morava a duas horas dali e que já era freguês, vinha quase todos os meses.

No terceiro dia de estadia, minha filha notou alguma coisa além da conversa e resolveu não aparecer para o vinho vespertino. Meu genro parece que, naquele momento, disputaria uma animada partida de futebol. Então, apenas meu admirador e eu apreciamos uma garrafa inteira de Valpolicela. Quando terminamos, confesso que o provoquei.

“Vamos dar um passeio, sugeri.”

Era o convite que ele espererava.

Levei-o através de toda a extensão do hotel, na direção do bosque.

Ao reparar que nos aproximávamos das árvores, falou:

“Queria muito convidar você para passear, mas pensei que acharia a caminhada um tanto longa.”

“Estou acostumada a caminhadas maiores.”

Entramos pelo bosque. O canto dos pássaros àquela hora da tarde era irresistível. Continuamos a dar passadas largas e percorremos um caminho em que predominava uma quantidade maior de árvores. Paramos para apreciar a paisagem. De propósito toquei sobre um de seus braços para apontar a vista. Deixei minha mão ali por alguns segundos. Abelardo parecia embevecido não tanto com a vista a partir daquele ponto da montanha, mas com o calor do meu corpo. Arrastei-o, com uma das mãos, até um arbusto que nos escondia. Qual então não foi nossa surpresa, encontramos um biquíni, isso mesmo, a parte inferior de um biquíni pendurado em um dos galhos mais salientes. Alguém o havia deixado ali fazia pouco tempo, pois dava para perceber que ainda estava molhado.

Coloquei o indicador sobre os lábios sinalizando que nada falasse. Procuramos um lugar mais resguardado. Quando senti que podia dizer alguma coisa, soltei em surdina:

“Acho que alguém teve a mesma ideia que nós, não é mesmo?”

Ele me abraçou e me beijou na boca.

Assim que terminou o beijou, perguntei irônica:

“Será que deixo o meu biquíni no mesmo galho?”

Abelardo me abraçou novamente. Não tive tempo de falar mais nada. Meu biquíni? Ele o tirou. Procuramos um canto sobre a relva e trepamos durante muito tempo.

Quando acabamos, anoitecia. Era possível reparar os postes com lâmpadas oscilantes no outro lado da montanha.

Ao passarmos pelo mesmo local, ainda estava lá o tal biquíni.

“Que tal trocar ou mesmo ficar com os dois, o outro ainda está lá!”, sugeriu, parecia excitado, apesar de todo o sexo que fizemos.

“A ideia não é má.”

“Qual delas?”

“A segunda.”

A última palavra lhe despertou novo desejo. Quis me colocar nua mais uma vez.

“Calma, amanhã ainda haverá tempo, e quem sabe será mais interessante?”, acrescentei.

Mas ele não resistiu. “Amanhã e ainda hoje!”

“Está bem”, falei, “mas espere um instante.”

“Aonde você vai?”

“Vais já saber.”

Fui até o galho e coloquei o meu biquíni ao lado do que lá estava.

segunda-feira, março 09, 2015

O que eu vou fazer da minha vida?

Jessé balançou os dois últimos caroços na concha da mão e lançou-os em dado. Era noite, e o jogo estava feito. Eliane arrepiou-se, ela fazia parte da aposta. Como flertava com o perigo, o friozinho na barriga dava-lhe prazer. Ao abrir uma das mãos o homem, com um dos cantos da boca, lançou-lhe um sorriso de escárnio, sabia que ainda não seria sua a vitória. A mulher, corajosa, tinha sorte, ele concordava. Jogador escolado, o mulato também sabia que a sorte um dia escapa. Era só ter paciência que ela, a mulher, cairia de joelhos. Pagou o que devia. Eliane sorriu. Muitos homens já haviam frequentado seu corpo sem necessidade de lance de dados. Quanto a Jessé, tratava-se de um capricho, queria prendê-lo. Ele era elegante, bonito, a pele brilhosa, o cabelo negro farto e bem penteado. Um homem que não fora feito para qualquer garota. O jogo, portanto, era a arma da mulher. Ela tinha consciência de que corria risco; a sorte, como lera nos olhos de Jessé, não dura para sempre. Enquanto pudesse, no entanto, arriscaria; era um modo de se valorizar, de criar no homem a cada dia o desejo mais intenso. Talvez, assim, ele durasse ao seu lado mais tempo. Não tinha ilusão, conhecia os homens Ao conseguir uma mulher, ao desarmá-la de seus encantos, eles depressa vão à cata de outra, de novas experiências, que logo se tornarão velhas. A roda continuava a girar. Eliane sabia que no fundo tudo era ilusão.

Fazia três anos que percebera sua tendência para a sorte no jogo. Um ex-namorado a convidara a um café numa cafeteria no centro de M. Eliane aceitou. Os dois encontraram-se por volta das 16h00. O local era bonito. Tomaram dois expressos e comeram duas fatias de bolo. Jonas pediu um pouco de leite. Ela começou a contar sobre o casamento. Disse que estava muito feliz, o marido era companheiro e atencioso. Ressaltou a palavra companheiro duas vezes. O homem não deixou escapar as palavras de Eliane. Como já conhecia a mulher, desconfiava de algumas das histórias contadas por ela. Quando já estavam à mesa por mais de trinta minutos, perdurou um profundo silêncio entre os dois. Ela aproveitou para olhar através do vidro o trânsito que era intenso na rua defronte. Era possível avistar as árvores que se enfileiravam no outro extremo da avenida formando um pequeno parque. A mulher sorriu, lembrou que já passeara naquele local tarde da noite com o homem que estava à sua frente. Voltou o rosto a ele e continuou com o ar de alegria que o momento permitia. Eu e meu marido somos apenas companheiros, queria dizer isso a você, tocou no assunto novamente; não fazemos sexo, entende?, somos apenas amigos, ajudamos um ao outro. Jonas franziu a testa. Amigos?, repetiu; estranho. Verdade, Eliane retomou a palavra; ele tem um problema, não pode fazer sexo, nunca fizemos, mas está bom assim, concluiu. Jura?, ainda perguntou Jonas. Eliane apenas moveu a cabeça. Saíram da cafeteria e seguiram a rua Teixeira. Continuaram a conversar assuntos esparsos, ora olhavam os carros, ora os prédios do lado onde caminhavam. Tenho de ir até em casa, ela falou. Eliane tinha duas casas, uma na serra, outra na cidade, referia-se à da cidade. Jonas não falou nada num primeiro momento, depois continuou ao lado dela; mais adiante perguntou se podia acompanhá-la. Pode sim, ela disse. Dobraram à direita numa transversal e seguiram até o Visconde, um bairro de casas de dois andares. Antes margearam a rodoviária. Quero ver se pego o de 17h30min, disse ela. Faltam ainda trinta minutos, replicou Jonas olhando o celular. Ao chegarem à casa que Eliane ainda mantinha na cidade, ela advertiu: está muito diferente da casa que você conheceu, dei alguns objetos, levei todas as minhas roupas para a casa da serra, mantive apenas o sofá, a cama e o fogão. Jonas assentiu, sabia que ela na verdade já não residia ali havia pelo menos três anos. Ao chegar, seguiram o pequeno corredor do térreo até entrarem no corpo da casa, subiram dois lances de escada. Eliane abriu a porta, que nem estava trancada. Ambos entraram. Ela primeiro; ele, a seguir. Não repara, pediu a mulher; está uma bagunça. Não faz mal, compreendo a situação, redarguiu Jonas. Eliane procurou um objeto, mexeu em outro, olhou para seu ex-namorado e sorriu. Lembra que você foi nua lá embaixo, certa vez?, Jonas disse em voz baixa. Você não esquece isso, ela falou e sorriu, um sorriso luminoso. Ele teve vontade de abraçá-la, mas nada falou. Ela continuou nos seus afazeres. Eliane tocou de novo o nome do marido. Como falava nele... Disse que ele lhe pedira algo, e que logo iria ligar para saber se conseguira. Jonas permaneceu em silêncio. Eliane não era boba, sabia que o ex-namorado ainda lhe desejava, fazia bem para sua autoestima, ela valorizava o momento. Pensou em perguntar a Jonas se queria que ela tirasse a roupa; ficaria nua e pediria para ele segurar seu vestido; ah, os homens, sempre ficam excitados com mulheres nuas. Nada mais, porém, apenas a nudez, a pele branquinha à mostra. Suspirou, tocou de leve no tecido que compunha o vestido. Ia aos joelhos. Ele não gosta da casa da cidade, ela acrescentou referindo-se ao marido. Você está precisando de dinheiro?, Jonas interveio. Dinheiro?, sempre a gente precisa, por que a pergunta?, ela quis saber. Achei que você precisava; a licença, o afastamento do trabalho, as dores que você sente, deve estar precisando, ele retrucou. Sim, você acertou. Jonas abriu a pasta, tirou a carteira e de dentro dela puxou duas notas de cem e duas de cinquenta, estendeu a mão com as notas a Eliane. Como faço pra pagar?, ela perguntou. Não sei, faça como achar melhor, respondeu ele. Não vou ter pra devolver tão cedo, ela continuou. Não faz mal, não estou precisando agora, disse o ex-namorado, com uma entonação decisiva. Eliane guardou o dinheiro. Bom, vamos embora. Acabou de falar e ouviu o telefone. É ele, meu marido. Foi até a janela e conversou um pouco, prometeu que voltaria logo, já havia resolvido tudo que programara. Não, não demoro não, ok?, um beijo. Desligou. Ao olhar na direção onde Jonas estava minutos antes, não encontrou ninguém. Ele partira sem que ela notasse. Sentiu-se só. Jonas lhe fazia bem. Lembrou-se da vez em que foram juntos à praia e ele sugerira que ela tirasse o biquíni e o entregasse a ele. Ela, como sempre espevitada e querendo demonstrar determinação, desfez os laços e ficou nua. Entregou o biquíni nas mãos de Jonas, deu um mergulho. Ao voltar à tona, percebeu que ele havia desaparecido. Acontecia de novo. Jonas se fora. Ela, só, sem ninguém a socorrê-la... O que eu vou fazer da minha vida?

Jessé balançou os dois últimos caroços na concha da mão e lançou-os em dado. O jogo estava feito. Era noite. Ele a incentivava, e ela sabia que tinha sorte. Ao menos por enquanto, sabia também que um dia perderia. Para a ocasião, já trazia pronta e ensaiada a frase. Jessé, sei que você está louco por mim, pra isso nem precisava de aposta; se você tivesse falado antes, a gente já transava fazia tempo; mas apenas isso, viu? A roda continuava a girar. Eliane sabia que no fundo tudo era ilusão.

domingo, março 01, 2015

Respirei fundo

Como a água estava fria, usávamos os pés para nos movimentarmos, assim não só mantínhamos nossos corpos aquecidos, mas também flutuávamos entre as ondas. Ele, mais do que eu, era ágil com as mãos, queria a todo custo tocar meu corpo. Mas o que me provocou quentura mesmo foi um afago diferente que ele me fez. Nunca havia percebido que alguém, apenas num ligeiro deslizar de mãos, pudesse me provocar um orgasmo enquanto tentávamos escapar da arrebentação.

Tudo começou uma hora antes. Eu andava no calçadão, na altura da Rainha Elizabeth. Queria um quiosque para tomar água de coco. Mas não sei o que me deu. Ao olhar as bebidas expostas, vi uma garrafa de vodca, e aquela marca não era comum nos quiosques.

O senhor faz uma caipivodca para mim com aquela vodca ali?

É pra agora, o empregado não pestanejou.

Eu vestia meu biquíni vermelho, não é tão pequeno mas deixa os homens loucos; uma camiseta justa me cobria até o umbigo. Trazia no ombro a bolsa. Pronta a bebida, comecei a mordiscá-la.  Descobri então um homem que me admirava, e já devia estar ali fazia tempo. Dei uma ajeitada na pose, tomei o copo nas mãos e fui até uma cadeira vaga, numa das mesas que me permitia olhar quem andava no calçadão. Ele se aproximou.

Posso sentar aqui?, quase não há lugar.

Ok, fiz ar displicente.

No começo, fingiu não querer nada comigo. Olhou a paisagem, as pessoas, o empregado do quiosque.

Essa bebida é ótima, não?

É, falei e continuei indiferente.

Deixa a gente a mil.

Poucas palavras as suas, mas suficientes para me calar. Lembrei uma amiga que sempre diz que caipirinha é bom porque sobe pelas pernas em questão de minutos.

Respirei fundo. Ele prestou atenção.

Essa sensação passa, mas só depois de meia-hora, a não ser que se encontre um grande amor, falou.

Não aguentei, tive de rir. Um tempinho depois contei o que minha amiga me dissera.

Ainda dentro d’água. Ele já conseguia me segurar pela cintura, puxou meu corpo para junto dele. Não ofereci resistência. O mar nos levava para cima e para baixo. Às vezes, espumas nos invadiam. Ele beijou minha boca. Deixei que sua língua me ultrapassasse os lábios. Deslizou várias vezes as duas mãos pelas minhas costas, me aprumou rente a ele, ventre contra ventre.

Você não teme o mar?, perguntou.

Só quando há correnteza.

A correnteza hoje são as minhas mãos, os meus braços, os meus lábios; tacou-me mais um beijo.

Nadamos um pouco mais adiante, flutuamos atrás da arrebentação.

Calma, falei, assim você me deixa nua.

Ele havia puxado o meu biquíni, descera até as coxas, um pouco acima dos joelhos.

Você é muito gostosa.

Vamos fazer uma coisa, falei, namoramos como duas pessoas decentes, depois você me leva para onde quiser e lá...

Tudo bem.

Foi assim que aconteceu. Acabei no apartamento dele, ali na Djalma Ulrich. Fiquei até pouco depois de meia noite. E ainda estava de biquíni. Antes de partir, porém:

Você não tem uma camiseta comprida para me emprestar?, pedi.

Tenho, mas só aceito se for uma troca, ainda que temporária.

Troca?, fiz cara de que não entendi.

Ele olhou para o meu biquíni.

Jura que você quer?, perguntei.

Brincadeirinha.

Ele foi ao quarto pegar a camiseta. Enquanto isso entrei no banheiro, tirei o biquíni e o dependurei na torneira do chuveiro. Ele me passou a camiseta pelo vão da porta. Vesti e me olhei no espelho. Caiu bem, era como se eu usasse um minivestido.

Ao sair, beijei meu recente namorado mais uma vez. Ele insistiu querendo-me levar em casa.  Eu disse que não era necessário. Tomei o elevador e desci.

Desejava andar pelas ruas de Copa, apenas a camisa curta prestes a revelar minha nudez, ou lhe deixara o biquíni como um mimo? Nada disso, o ardil tinha outra intenção. Que ele me procurasse na manhã seguinte.