O sofá jazia na rua, junto a um poste. Esperava pela
compaixão de alguém. Ou pelo caminhão da limpeza pública. Era um sofá de pano.
Via-se que estava gasto, um tanto desbotado, mas ainda servia. Quem quisesse sentaria
nele e descansaria. Não era isso, porém, que me despertava o sofá. Lembrava um
namorado. E fazia mais de dez anos. O namorado tivera um sofá semelhante. O
pano estampado de listras cinzas e brancas. O namorado insistira em me levar ao
seu apartamento. O namoro ainda ia cru, duas semanas de encontros, apenas. Eu
não queria, não do jeito dele. O sofá jazia na rua. Ninguém viera buscá-lo até
aquele momento. Nem havia alguém que o espreitasse. O sofá do namorado era
convidativo. Ele perguntou se eu bebia alguma coisa. Havia vinho e cerveja na
geladeira. Não, obrigada. Bebera momentos antes num bar, com ele. Insistira e
eu acabei sentada sobre o sofá de sua sala. Uma sala limpa, aceitável, alguns
livros numa estante. Cruzei as pernas, o vestido comprido, de flores verdes e
fundo branco, escondia minhas pernas. Esperava a reação do namorado. Ele
observava minha fisionomia ressentida. Vencera. Conseguira-me sentada no seu sofá.
Descruzei as pernas, olhei-o desafiadora. Por que a mulher sempre é levada ao
local mais fácil?, acho que pensei naquele momento. Merecia um hotel. Não o Palace,
mas um hotel razoável, paredes claras, a luz quebrada ao meio. O sofá era
convidativo. Ele sentou ao meu lado. Deu-me um longo abraço, um começo de
beijo. Eu, rígida, como se não quisesse o beijo, como se recusasse o abraço.
Não queria o apartamento, muito menos o sofá. Sentia-me vencida. Sim, eu era
uma mulher vencida. Mas não sabia dizer o que seria uma mulher vencedora. Não
naquele momento. Descobriria duas ou três horas depois. Mas a dor de se sentir
vencida é um fato quase irrecuperável. O sofá, o da rua, eu diante dele fazia
tempo. Quem via a mulher louca diante daquele refugo? Louca ou mendiga, dá no
mesmo. Minhas roupas, no entanto, revelavam uma mulher limpa. Talvez queira
levar o sofá para casa, alguém pensaria. Talvez esteja cansada e queira sentar.
Nada disso. Era o namorado. Eu estava sentada ao seu lado. De repente levantei,
dei alguns passos. Queria conhecer o resto do apartamento. Começava a
conquista. Entrei no quarto, caminhei até a janela. O outro lado da rua, um
prédio de apartamentos, uma mulher passou rapidamente de um cômodo a outro. Estava
envolvida numa toalha. Sua rapidez revelava o desejo de não ser descoberta.
Voltei à sala. Entrei na cozinha, na área de serviço, nas dependências de
empregada. Havia um secador pequeno na área de serviço, pequeno e vazio. Ele
não lavava as roupas? Voltei à sala. Sorria dentro de mim. Ele não lavava as
roupas. Ele ainda sentando, à espera. Seu olhar indagativo. Eu aceitava? Não
sei. Entrei no quarto mais uma vez e deitei na cama. Venha até aqui, gritei.
Deitada, esperava que subisse sobre meu corpo. Seu vestido vai ficar todo
amarrotado, preocupava-se ele com meu asseio. Não faz mal, não ligo aos
vestidos. Deitou enfim sobre mim. Beijou-me. Um beijo longo. Assim que acabou,
tirei o vestido e o arremessei sobre uma cadeira. Arre a todos os vestidos.
Meus seios se aprumaram. Ele sabia que eu não usava sutiã. Deitei-me e ele veio
de novo sobre mim. Tira minha calcinha, ordenei. Sou eu que rejo a orquestra,
falei dentro de mim. Começamos um duelo vigoroso. Eu sabia que não haveria
vencedores. E numa orquestra há muitos homens. Homens e mulheres. No sexo,
ambos ganham. Ou perdem. Depende do ponto de vista. Mas o vestido sobre a
cadeira mostrava minha determinação. Uma determinação de mulher que não tem
medo de sair nua andando quadras e quadras. Eu era essa mulher. A princípio
vencida pelo namorado, levada cordata à sua casa. Mas depois. Bem, depois há
sempre aquele que diz que já não é possível a vitória. Mas eu vencera. Tanto
vencera que fiz questão de reger uma orquestra. Eu, que jamais aprendera música
nem sabia tocar instrumento algum. Uma mulher que não tinha a preocupação de ir
embora amarrotada. Melhor, então, a vitória final. Não iria embora amarrotada.
Não iria embora. Ou Iria embora nua. E de cabeça erguida. Os seios aprumados. Seria
presa? Não me importava a prisão. Importava reger a orquestra. Antes de sair
ainda sentei uma vez no sofá. Para calçar a sandália. O sofá. Que jazia na rua.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário