No Rio de Janeiro há um serviço da prefeitura que permite às pessoas transitarem de bicicleta quase de graça. Basta se cadastrar num site e comprar um passe, que pode ser diário ou mensal. O preço é praticamente simbólico. A cidade, do centro à zona sul, possui em torno de três dezenas de estações. Com uma ligação de celular, as bicicletas podem ser retiradas. Após o término do percurso, é possível devolvê-las em qualquer outra estação.
Eu havia retirado uma no Posto 6, em Copacabana, mais ou menos uma hora e meia antes. Após pedalar por toda a orla marítima, minha intenção era devolvê-la na estação da rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema. Dali, voltaria a pé para o hotel.
Mas o local estava em manutenção. Precisaria procurar outra estação que ficasse nas proximidades. Então, uma grata surpresa me aconteceu, e minha estadia na cidade tornou-se inesquecível.
“Há uma estação na Nossa Senhora da Paz”, um homem jovial me avisou ao perceber que eu queria devolver a bicicleta e não conseguia.
“Já andei tanto, queria ficar perto do meu hotel”, falei.
Ele me olhou e sorriu. Era um típico carioca da zona sul. Explicou como eu tinha de fazer para chegar ao tal lugar.
A princípio, nenhum de nós suspeitou que a troca de informações pudesse evoluir para uma paquera. Acho que fui eu a deixar esta impressão. Ele se pôs a andar ao lado da ciclovia, na direção da pedra do Arpoador. Emparelhei com ele e mostrei minha face simpática.
“Está um dia muito bonito”, falou, também sempre sorridente.
“Como faço mesmo para chegar ao ponto das bicicletas?”, perguntei mais uma vez.
“Não se importa se eu guiar você até lá?”
Não preciso dizer o que respondi.
Continuamos os dois na mesma direção. A praia não estava lotada, mas havia muita gente. O ar úmido e o cheiro do mar me excitavam. Faltavam dois dias para o Réveillon.
Ele apontou o sinal luminoso. Pedalei vagarosa ao seu lado enquanto atravessávamos a Vieira Souto. Movia muito o guidon, do jeito que se costuma fazer quando se vai devagar sobre duas rodas.
Na Visconde de Pirajá, entramos à direita. Na calçada, uma porção de pessoas. Como tem gente bonita nesta cidade, cheguei a suspirar. Tanto os homens como as mulheres. E todos muito elegantes. Reparei algumas vitrines. Mostravam roupas de fim de ano: bermudas, saias, blusas e camisetas. Quase tudo branco. Algumas peças tinham cores suaves. Havia também muitos biquínis e cangas.
Do outro lado, ficava a praça que eles chamam de Nossa Senhora da Paz. Logo avistamos a estação. Atravessamos. Uma fila de ônibus e outra de automóveis aguardavam o sinal verde atrás da faixa de pedestre. Coloquei a bicicleta em um dos encaixes, depois me virei para ele e falei: “obrigada.”
“Não sei o seu nome”, lembrou que não nos apresentáramos.
“Ah, me desculpe, Martha.”
“Rubens, foi um grande prazer conhecer você.”
“Pra mim também.”
“Você é de que estado?”, perguntou.
“De Santa Catarina.”
“As pessoas costumam falar que Florianópolis é uma cidade muito parecida com o Rio.”
“Isso mesmo”, afirmei, “ você adivinhou o meu pensamento.”
Começamos a caminhar de novo pelo passeio da Visconde de Pirajá, agora no lado oposto ao que viéramos.
“Estou hospedada no San Marcos.”
“Quem bom, logo aqui, em Ipanema.”
“Isso, não pensei que fosse tão bom.”
“Você vai ficar na cidade por muitos dias?”
“Vou embora no dia 2.”
“Então, ainda vai poder passear bastante.”
“É o que desejo. Cheguei ontem, ainda não conheço quase nada.”
Tive a impressão de que se ofereceria para me acompanhar, mas perguntou outra coisa: “quer tomar alguma coisa?”
“Sabe do que mais gostei até agora na sua cidade?”
“Não”, esperou que eu falasse como se minhas palavras lhe fossem revelar uma grande surpresa.
“Do sorvete.”
“É mesmo? Pensei que os sorvetes fossem iguais em todos os lugares.”
“Nada disso, vocês aqui tem um sorvete ótimo”, apontei a sorveteria que estava próxima, numa rua transversal. “Aceito um sorvete.”
Ele me acompanhou. Pedimos dois sorvetes de manga.
Rubens ficou tanto a me olhar, que comecei a achar que o meu jeito de saborear o sorvete era saliente. Em determinado momento, senti vergonha de abrir a boca para mais um pedaço.
“Por que você está me olhando desse jeito?”, tive coragem de perguntar. Acho que estava vermelhinha.
“Você é muito bonita.”
Na porta do hotel, puxei-o para um canto, ao lado da entrada, mas ao invés de me despedir, falei:
“Quer subir?”
Ele olhou para cima como se medisse a altura de uma montanha antes de inicair a escalada. Depois, voltou-se para mim.
Antes que eu escutasse sua voz: “quero, sim”, caí na gargalhada.
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