quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Banquete

Meu telefone tocou, eram quase cinco horas da manhã.

“Joubert? Venha até aqui, traga uma camisa de homem, ou um pano comprido. Melhor mesmo uma camisa de homem.”

“Alô”, respondi, “quem está falando?”

“É o Edson.”

“O que houve, Edson, algum acidente?”

“Não, não aconteceu nenhum acidente, mas venha até aqui e traga o que estou pedindo.”

“Você não falou aonde devo ir, Edson.”

“Na rodovia, na altura do Morro Grande. Venha de carro. Depois da curva, você vai logo avistar o ônibus da empresa. Estou do lado de fora.”

“Por que não fala o que aconteceu?”

“Aqui você vai saber. Mas não esqueça de trazer a camisa, precisa ser de homem e comprida”, pediu mais uma vez. “Venha sozinho.”

Acendi a luz do quarto, abri o armário e peguei uma camisa. Minha mulher acordou. Ainda sonolenta, perguntou: “o que está acontecendo?”

“Preciso sair pra ajudar um amigo?”, falei baixo, não queria acordar as crianças. Elas dormiam na sala.

“Quer que eu vá com você?”

“Não, é melhor você ficar.”

Me vesti rápido e saí de casa. Nem sinal do amanhecer. Liguei o carro, engatei a primeira e peguei a estradinha que leva à rodovia estadual.

Ao me ver, Edson acenou com os dois braços. Parei na frente do ônibus que ele costuma dirigir todas as manhãs.

“Alguém está ferido?”, eu quis saber, preocupado.

“Não é nada disso, Joubert. Trouxe a camisa?”

Fui ao banco traseiro do carro, peguei a camisa e entreguei a ele.

Edson subiu no ônibus pela porta da frente. Entrei depois dele. Quando pisei no corredor vi, num dos bancos, um passageiro, quer dizer, na verdade era uma mulher. E ela estava nua. Permanecia sentada, com as pernas cruzadas. Com um dos braços, feito uma faixa em meia diagonal, tentava cobrir os seios. Mas não parecia envergonhada. Acho que até sorria. Edson lhe entregou a camisa. Mas a mulher ainda ficou na mesma posição durante alguns segundos. Só depois é que se levantou, enfiou a camisa pela cabeça e ameaçou sentar de novo no mesmo lugar.

“Não, você não vai aí, precisa sair do ônibus e ir com ele”, Edson apontou para mim. “Joubert, deixa ela em casa.”

“O que houve? Foi assaltada?”, perguntei assustado.

“Não, não foi, não. Depois te conto”, ele falou.

A mulher me seguiu. Abri a porta e ela entrou no carro. Nada conversamos, apenas disse seu endereço. Às vezes, esticava a barra da camisa para esconder melhor as coxas. Minutos depois, saltou à porta de casa.

Na sexta à noite encontrei Edson num bar, na Aroeira.

“O que foi aquilo, homem, me conta, encontrou uma mulher nua?”

“Pois é, quem vai acreditar nisso além de você?”

“Mas fala, homem, o que aconteceu ali?”

Começou, então, a contar.

“Você sabe que saio com o carro todo dia às quatro, quatro e dez da madrugada” (os motoristas costumam chamar ônibus de carro).

“Sei, você é um dos primeiros a sair, mora perto da garagem da empresa.”

“Isso. Por eu morar perto, sempre me escalam pro primeiro ônibus. Mas a história não começa aí. Antes, tem uma outra coisa.”

“O quê?”, perguntei um tanto curioso.

“Todos os dias levo uma passageira, é uma professora. Ela faz sinal mais ou menos ao meio dia, quando trafego pelo Visconde. Sorri, me cumprimenta muito gentil e toma o seu lugar. Demonstra muita simpatia. Sempre acho que me dá bola. Aí eu pisco pra ela, que corresponde com mais um sorriso. Já pensei várias vezes em dar um jeito de marcar um encontro, convidar pra uma cerveja ou, se não bebe, pra um refrigerante. Mas você sabe como é, sou um motorista, não acreditava que ela fosse aceitar.  E vai, encontro a mulher nua, às quatro da manhã, na rodovia...”

“Era ela a mesma, a que você acha que te dá bola, a professora?”

“Ela. Essa pra quem você trouxe a camisa e levou em casa.”

“Mas como aconteceu de ela aparecer nua na estrada?”, perguntei. Me sentia excitado com a história.

“Eu vinha da garagem, na direção do terminal. Ela estava na beira da estrada, inteiramente nua. Quando viu o ônibus, fez sinal pra eu parar.”

“Você não perguntou o que aconteceu?”

“Claro que perguntei.” Edson parou de falar e tomou um gole da cerveja. Olhou ao redor para se certificar de que as outras pessoas não prestavam atenção na nossa conversa. Ao perceber que cada um cuidava da sua vida, continuou: “Joguei o carro pro acostamento e abri a porta. Ela veio andando, subiu, sorriu pra mim, deu bom dia e sentou. Você acredita?”

“Acredito, mas e depois?”, eu já não tinha mais nervos para aguardar o desfecho.

Edson continuou: “Perguntei a ela: ‘o que aconteceu?’ ‘Um imprevisto’, foi a única coisa que respondeu.”

“O que você fez depois?”

“Primeiro fiquei paralisado durante algum tempo, olhava pra ela. Então, ela falou: ‘vai ficar aí parado?’”

“Quer dizer que você foi fundo!”, afirmei.

“Põe fundo nisso. Só não fiquei com ela mais tempo porque estava com o carro da empresa sob minha responsabilidade. Joubert, ela é muito gostosa, foi um banquete. Mas, por favor, lhe peço, não conte pra ninguém.”

Fui embora naquela noite com a cabeça quente. Jamais tive em toda a minha vida uma sorte assim. Pensei em seguir a mesma mulher, observar seus passos, ver se fingia encontrar ao acaso com ela. Quem sabe, com um pouco de sorte, ela também me desse o ar de sua graça?

Mas um mês depois tive de mudar com minha família para São Gonçalo. A empresa me transferiu. Outra obra começava. Era a construção da nova refinaria.

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