Paulo avança na direção do quarto, mas ao ultrapassar a
porta para e, de modo gentil, me cede a passagem. Não é a primeira vez que exploro o seu apartamento, sei e desejo o que estava por vir. Antes da visita, o
cinema; a seguir, duas taças de vinho. Dali em diante, o amor. Liga o ar-condicionado e aciona o CD player. Voz de mulher acompanhada de
poucos instrumentos espalha-se por todo o cômodo. A cama, confortável, com
travesseiros altos na cabeceira, convida.
Meu namorado sempre pensa em tudo, procura fazer o
máximo para agradar. No amor, da mesma forma, tenta todos os ardis para não
decepcionar. Mas, ao mesmo tempo, sempre se mostra exigente. Quer ouvir a minha voz, os meus gemidos, pede-me que o excite com algumas palavras
inesperadas.
“Palavras inesperadas?”, indago em busca de uma
direção.
“A surpresa é o inesperado”, aponta-me o destino.
Gosta de contar histórias, na hora do amor. Seu sexo é acompanhado de palavras e imagens. Constrói poemas, cria enredos,
brotam-lhe da boca metáforas que jamais ouvi de homem algum. Às vezes saboreio narrativas em que vou sempre nua, envolta apenas em frágeis véus ou
mesmo embalada apenas pelas sombras e pelo sopro da noite. Ele adora amplidões, desertos e madrugadas, lugares onde se pode ter como frágil lâmpada apenas o cintilar das estrelas tardias. Sua voz provoca viagens a praias em que ondas vorazes nos salpicam gotículas geladas, pequenas pérolas prenhes de sal. Suas mãos orientam as sutilezas do meu corpo. O calor da nossa pele basta-nos.
“Vou levar você através de corredores escuros”, sussurra-me, “acostume à pouca luz, seus olhos vão descobrir o brilho que só é permitido às almas loucas de amor.”
Paulo enfia-me em labirintos dos quais custo a encontrar o caminho de volta. Além dos percalços naturais do lugar, não me deixa à mão
um fio de Ariadne. Ou melhor, não me permite fio algum. Não tenho como desfiar
a roupa que não trago sobre o corpo. Caso a trouxesse, ele viveria o fetiche de inutilizá-la. Destrói tecidos, os mais grossos e os mais finos, nos instantes extremos do gozo. Como já lhe conheço os costumes, trago às escondidas roupa reserva. Mas ele é esperto, quase sempre descobre qualquer peça sobressalente.
Não é mal contar histórias em que ao final estou nua de corpo e alma. Pior seria não ter nos braços aquele que me ama perdidamente,
mesmo que seu amor seja apenas representação. Quando temos à vista um bom ator,
esquecemos que o teatro é de mentirinha.
Depois me presenteia. Todos os presentes do mundo, tantas
as lojas...
Vou no barco, a vela branca, o mar verde e
azul. Sobre a pele, o brônzeo sol.
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