segunda-feira, janeiro 28, 2013

Quando temos à vista um bom ator esquecemos que o teatro é de mentirinha

Uma vela branca no meio da tela e o mar entre o verde e o azul, é o quadro na estreita parede da sala. Ao lado, uma estante de livros subindo até o teto. Podem-se observar volumes de literatura, filosofia e alguns de arte, desses que são vendidos como catálogos em exposições. No canto oposto uma mesa quadrada de quatro lugares; ao centro, um vaso de flores amarelas e brancas, imitação de cerejeira.

Paulo avança na direção do quarto, mas ao ultrapassar a porta para e, de modo gentil, me cede a passagem. Não é a primeira vez que exploro o seu apartamento, sei e desejo o que estava por vir. Antes da visita, o cinema; a seguir, duas taças de vinho. Dali em diante, o amor. Liga o ar-condicionado e aciona o CD player. Voz de mulher acompanhada de poucos instrumentos espalha-se por todo o cômodo. A cama, confortável, com travesseiros altos na cabeceira, convida.

Meu namorado sempre pensa em tudo, procura fazer o máximo para agradar. No amor, da mesma forma, tenta todos os ardis para não decepcionar. Mas, ao mesmo tempo, sempre se mostra exigente. Quer ouvir a minha voz, os meus gemidos, pede-me que o excite com algumas palavras inesperadas.

“Palavras inesperadas?”, indago em busca de uma direção.

“A surpresa é o inesperado”, aponta-me o destino.

Gosta de contar histórias, na hora do amor. Seu sexo é acompanhado de palavras e imagens. Constrói poemas, cria enredos, brotam-lhe da boca metáforas que jamais ouvi de homem algum. Às vezes saboreio narrativas em que vou sempre nua, envolta apenas em frágeis véus ou mesmo embalada apenas pelas sombras e pelo sopro da noite. Ele adora amplidões, desertos e madrugadas, lugares onde se pode ter como frágil lâmpada apenas o cintilar das estrelas tardias. Sua voz provoca viagens a praias em que ondas vorazes nos salpicam gotículas geladas, pequenas pérolas prenhes de sal. Suas mãos orientam as sutilezas do meu corpo. O calor da nossa pele basta-nos.

“Vou levar você através de corredores escuros”, sussurra-me, “acostume à pouca luz, seus olhos vão descobrir o brilho que só é permitido às almas loucas de amor.”

Paulo enfia-me em labirintos dos quais custo a encontrar o caminho de volta. Além dos percalços naturais do lugar, não me deixa à mão um fio de Ariadne. Ou melhor, não me permite fio algum. Não tenho como desfiar a roupa que não trago sobre o corpo. Caso a trouxesse, ele viveria o fetiche de inutilizá-la. Destrói tecidos, os mais grossos e os mais finos, nos instantes extremos do gozo. Como já lhe conheço os costumes, trago às escondidas roupa reserva. Mas ele é esperto, quase sempre descobre qualquer peça sobressalente.

Não é mal contar histórias em que ao final estou nua de corpo e alma. Pior seria não ter nos braços aquele que me ama perdidamente, mesmo que seu amor seja apenas representação. Quando temos à vista um bom ator, esquecemos que o teatro é de mentirinha.

Depois me presenteia. Todos os presentes do mundo, tantas as lojas...

Vou no barco, a vela branca, o mar verde e azul. Sobre a pele, o brônzeo sol.

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