quinta-feira, abril 09, 2009

De olhos vendados: capítulo 1

A avenida Chile sempre foi uma via de grande importância para muitas pessoas que trabalham no centro do Rio; de alguns anos até os dias de hoje, passou também a ter muita importância para advogados, promotores e demais pessoas que atuam na Justiça do Trabalho. O imponente prédio fica na rua do Lavradio, e a Chile é, para quase todos, passagem obrigatória. Maria Zilda é uma das que freqüentam o local. Poucas vezes vem no próprio automóvel; é mais comum vê-la chegar de táxi. Mas há dias em que prefere vir de metrô, saltar na estação Carioca e percorrer o pequeno trecho, que é agradável, desde que o clima esteja ameno. É bom andar pela avenida, olhar de relance o espaçoso edifício da Petrobrás, o do BNDES, e empreender a caminhada a passos macios, perdida em pensamentos, ainda distante do que terá de enfrentar quando entrar em seu gabinete. Maria Zilda é juíza.
Numa manhã de quarta-feira, optou pelo trajeto a pé. A estação do metrô já ficara para trás e ela margeava a catedral. Reparou um homem dentro de um veículo, que a observava com interesse. O carro era um Citröen, desses novos, de cor vinho. O desconhecido parecia aguardar uma vaga para estacionar, descobriu a mulher elegante, de óculos escuros, roupa sóbria, firmou os olhos nela. Ela continuou seu trajeto sem dar importância.
Gostava de andar furtiva pela cidade, sem que pessoa alguma a reconhecesse. Na maioria das vezes o conseguia. Costumava ir a um café, no subsolo do Edifício Av. Central. Na verdade o local era uma cafeteria que ficava no corredor à direita de quem desce a escada rolante pela entrada da Rio Branco. Ali, acomodava-se em uma das mesas laterais, mais ou menos na metade do salão. A garçonete vinha servir-lhe, trazia um enorme cardápio. Achava aquilo tão engraçado; um cardápio enorme e depois um salgado tão pequeno, de farinha integral, pastel de forno de berinjela. Tomava um chá preto; demorava-se. Vingava-se do dia estafante, de todos os problemas que a circundavam. O lugar era requintado, com pessoas bem trajadas, pessoas com ares de importância.
Já vira o homem do automóvel vinho, tinha certeza, num final de tarde, naquela mesma cafeteria.
Maria Zilda cruzou a entrada do prédio da Justiça sem olhar para ninguém; depois do hall, deu mais alguns passos à esquerda e tomou o elevador exclusivo para os magistrados; subiu sozinha.
O dia-a-dia de um juiz ou juíza não é fácil como parece para a maioria das pessoas. Muitos acham que quem ocupa tal cargo é um privilegiado. Pensamento rasteiro e desprovido de consistência. Esse tipo de profissional sempre se vê às voltas com uma quantidade inumerável de processos. Sua capacidade de leitura precisa ser tamanha que, caso decidisse ler apenas romances, conseguiria-o com desembaraço; leria pelo menos um por dia, e dos grossos. A parafernália jurídica que ocupa o gabinete de muitos juizes seria suficiente para fazer qualquer um desistir de ao menos pensar em seguir o caminho da magistratura. Existem, no entanto, aqueles que são teimosos. Enveredam pelo Direito e não esmorecem enquanto não obtém a aprovação e nomeação para tal cargo. Maria Zilda pertencia a tal estirpe. Inumeráveis pareceres, instruções, ordens, audiências e, por fim, sentenças – estas exigiam sempre muita reflexão – deviam ser emitidos durante um dia. É bem verdade que a uma juíza não é necessário olhar para o acúmulo de compromissos e ser tomada pelo estresse. Sempre se dava um jeito. A justiça é morosa, todos sabem, e, da mesma forma, sabem que precisam esperar. Há ainda os instrumentos jurídicos, que não deixam de avolumar os processos, por mais simples que o caso aparente. Maria Zilda conseguia manter-se dentro dos padrões exigidos pela instância superior à qual devia satisfações. E não decepcionava.
Naquele dia, apenas um fato fez que ela ainda pensasse sobre o dia excessivo. Foi o momento em que um homem – tinha em torno dos trinta anos – dirigiu-lhe diretamente a palavra, com uma inquirição, e de modo grosseiro. Tratava-se de uma pendência com a empresa onde trabalhara. Sem esperar a vez de falar, interpelara a juíza, assim como se falasse com uma pessoa qualquer. Ela, severa, virou-se para o advogado dele, como que o repreendendo. Este cochichou uma ou duas palavras no ouvido do querelante, que de imediato suspirou e nada mais falou.
No final da tarde, ela perdeu-se proposital por algumas ruas do Centro. Onde andavam os outros que tinham cargo de destaque na sociedade? Andariam em automóveis de vidros escuros, sempre escondidos, saindo de um ambiente fechado para outro. Temiam o reconhecimento na via pública. Por que não se encontram juizes e juízas andando a esmo por aí? Qual o local que eles freqüentam? Zilda conhecia alguns restaurantes, ponto certo de magistrados, promotores e até mesmo de advogados. Também sabia daqueles que viviam trancados em suntuosos apartamentos, ou casas de condomínios fechados. Passeavam, mas não muito no Rio de Janeiro. Preferiam outros estados, onde não atuavam, ou mesmo eram partidários de que passear com tranqüilidade era possível apenas no exterior, nas metrópoles do mundo desenvolvido. Ela, porém, não pensava da mesma forma. Saía, ia a vários locais, embora não se mostrasse plena; preferia o disfarce. E tinha-os em grande número.
Maria Zilda sentia-se perfeitamente realizada com a carreira que escolhera. Havia dias, porém, em que cometia algum exagero, uma espécie de compensação para o trabalho exaustivo que o cargo lhe impunha. Uma mulher ao ser percebida com demora por um homem precisa manter a discrição, tanto mais uma juíza. Naquele mesmo dia, só que à tarde, ela deparou-se com o mesmo homem que cravara os olhos nela pela manhã. Só que agora, ela não estava na rua, mas na mesma cafeteria em que o vira dias antes. Ele a estaria seguindo? Às vezes reparava seu olhar acintoso. Maria Zilda escondia-se atrás de óculos grandes, de lentes não tão escuras, mas o suficiente nebulosas para esconder-lhe os olhos. Antes que se sobressaltasse, a garçonete sussurrou algumas palavras no ouvido dela, como que pedindo desculpas, mas o homem insistira tanto; entregou-lhe um pequeno cartão. Ela mal olhou o que estava escrito. Grande descortesia. Levantou-se, deixou algum dinheiro sobre a mesa e se foi. O cartão permaneceu sobre a toalha, quase intocado.
Dali seguiu por algumas ruelas que a levaram ao Centro Velho. A Livraria da Travessa desanuviou seus olhos turvos. Entrou. Estacou diante dos livros de literatura, todos arranjados de modo a despertar o interesse no leitor. Antes de procurar algum título, prestou atenção ao semblante das pessoas. Reparou que aqueles que estavam voltados para os livros não levantavam os olhos para os outros freqüentadores, mesmo que estivessem de frente um ao outro, ou mesmo lado a lado. Assim se sentiu mais confortável.
Entreteve-se com um livro de um escritor inglês. Lera havia muito tempo vários daqueles romances, reparou que agora os livros se apresentavam em nova tradução e de modo mais sofisticado. Mais adiante viu O país das neves, de Yasunari Kawabata, logo abaixo havia A dançarina de Izu. Lembrou que lera ambos, o último tão delicado, tratava-se da história de um jovem que num período de férias escolares viaja para as montanhas e encontra um grupo de atores. Estes vão de aldeia em aldeia apresentando uma peça de teatro. O jovem decide acompanhá-los; um primor, o conto. Passeou por outros nomes e outros títulos, deu-se com Lídia Jorge, A costa dos murmúrios, lembrou que lera outro livro da autora, mas fugia-lhe o nome.
Permaneceu entre as estantes e descobriu a de teatro. Olhou alguns títulos, reparou que vira algumas montagens; depois, dispersou-se mais adiante. Despertou-lhe o café, tão requintado, que havia no lado direito da loja. Sentou em uma das mesas e aguardou que a atendessem. Queria continuar o chá que fora interrompido pelo homem inoportuno. Algumas pessoas conversavam em voz baixa enquanto tomavam café; havia aqueles que após terem comprado algum livro sentavam-se e folheavam-no enquanto aguardavam o garçom. Seria bom que ela estivesse em companhia de alguém. Mas, para uma mulher como ela, ter amigos era uma complicação a mais. Com exceção de duas mulheres e um amigo que na verdade fora empossado como analista judiciário, não se aproximava de outras pessoas. Ao saberem que ela era juíza, olhavam-na de forma diferente. Ao mesmo tempo, sabia Zilda que não poderia ser íntima de muitas pessoas. Isso lhe atrapalhava a vida. Talvez, muitos achem pedantes pessoas do porte de Maria Zilda. A garçonete trouxe o chá.
Duas jovens manuseavam livros nas estantes de filosofia. Pôde apreciar o brilho nos olhos delas ao segurarem algum exemplar de filósofos que, dali de onde ela se sentara, não conseguia distinguir. A filosofia era algo que deslumbrava certas pessoas, parecia revelar segredos de difícil decifração ao comum dos mortais. Lembrou que também vivenciara isso, mas optara pelos livros de Direito. As diversas ramificações da área jurídica e suas peculiaridades fascinaram-na mais do que qualquer outra coisa. No Direito havia mais certezas e, além disso, podia ler os livros de filosofia apenas como hobby.
Viu quando um casal trocou um beijo rápido enquanto via algum livro. Eram namorados, conversavam, olhavam as capas e aproveitaram o momento para ligeiro contato fisco. Zilda, de sua mesa, mostrou um breve sorriso. Aprovava a espontaneidade da juventude.
A noite já se estabelecera quando deixou a livraria. Caminhou novamente pelas pequenas ruas do Centro. Muitas pessoas ainda andavam também por aqueles caminhos. Todos iam em busca de transporte; voltavam para casa após mais um dia de trabalho. Maria Zilda, incógnita, acompanhava toda aquela gente. Quando chegou à Rio Branco, atravessou-a e, quase de imediato, entrou num ônibus especial, desses todo fechado e de ar-condicionado, que ia para o Leblon. Reclinou um pouco a poltrona e pôs-se a olhar as pessoas que estavam no passeio. As janelas vedadas do veículo faziam o lado externo da vida sem som. Ouviam-se apenas os ruídos internos e alguns murmúrios emitidos pelos poucos passageiros que conversavam.
A maioria das mulheres ainda opta pelo casamento, ou mesmo que não se casem, por algum tipo de relacionamento. Ela, no entanto, optara pelo estudo e pela profissão. Às vezes, debruçava-se sobre um livro na maior parte das horas vagas. Por outro lado, em determinadas noites, sentia que precisava sair, aproveitar a vida de uma outra maneira. Talvez estivesse sozinha durante a maior parte do tempo porque não soubesse dosar suas predileções. Na verdade, não gostava de dizer que era uma mulher só. Sentia-se bem consigo mesma. Tentara estabelecer relacionamentos afetivos, mas não conseguira mantê-los. Os homens eram controladores, e ela não se adaptava a isso. Não era do seu feitio dar satisfações, dizer aonde ia ou o que faria; ou mesmo ter de atender telefonemas durante o dia para dizer como passava. Quando os homens percebiam onde pisavam, pouco a pouco diminuíam os convites, até que desapareciam. A partir daí, passou a sair só, mesmo à noite quando ia a um espetáculo ou mesmo quando decidia jantar em um ou outro restaurante refinado. Apareciam-lhe pretendentes? Sim. Ela era uma mulher bonita, ainda jovial, apesar dos quarenta e poucos anos. Passou a flertar através de olhares, de movimentos sutis. Dissimulava, mas gostava de saber que estava sendo admirada. Até que uma idéia estimulou-lhe o dia-a-dia. Alguns dias atrás tivera uma idéia que tal conhecer alguém e nem precisar saber-lhe o nome? Sair com a pessoa uma vez, conversar, assistir a algum filme ou peça de teatro, depois jantar e, quando lhe apetecesse, ter um contato mais íntimo? Mas como seria essa pessoa? Quem seria ela? Pensou em diversas artimanhas para atingir esse objetivo. Talvez encontros casuais com alguém que ela achasse interessante, fazendo chegar a essa pessoa um bilhete com uma intenção. Para aquele que sabe ler, não são necessárias demasiadas metáforas; e as palavras diretas também não são delicadas. Uma vez que as línguas permitem volteios e graças, aproveitaria. Sabia que, ao andar muito sozinha, não seria difícil receber convites. Mesmo naquele momento, em que não predominavam abordagens diretas, os homens conheciam meios de fazer uma mulher receber um cartão, ou um número. Caso ela facilitasse, ao menos com um olhar, ainda que distraído, tudo estaria resolvido. Lembrou do cartão que recebera na cafeteria; não devia tê-lo recusado. Mas precisava ter cuidado, tinha de se mostrar um tanto difícil. Também não desejava ser reconhecida.
Ao chegar em casa decidiu que, àquela noite, sairia. Iria a algum lugar com a finalidade de se divertir. Tomou um copo de suco, sentou-se na ampla cozinha e ficou a reparar a arrumação perfeita que a empregada fizera durante o dia. Tudo era bonito e estava no devido lugar. Arranjara a empregada perfeita, tinha um senso de arrumação muito parecido ao seu. Achou que bastava o pensamento de como queria as coisas dentro de casa para que a mulher atendesse de pronto.
Acendeu um abajur lateral e uma luminária que corria de modo longitudinal o contorno do teto. Não demorou a afundar-se numa das poltronas da sala. Vislumbrou na parede em frente dois quadros que comprara na última visita a uma famosa galeria de arte, em Ipanema. Apresentavam pintura figurativa, mas era preciso um pouco de imaginação para visualizar o que o artista pretendera pintar. Numa pequena mesa lateral, havia dois livros. Pegou-o nas mãos e folheou-o sem que prestasse atenção ao conteúdo. Algumas palavras foram retidas por sua mente. Uma mulher em férias na Bahia conhecera um diplomata, os dois empreendiam uma viagem pelo mundo. Depois deixou o livro no mesmo lugar e pôs-se a imaginar. O outro era uma obra que comentava de modo minucioso o código processual. Folheou-o também; procurou as passagens que tanto a apaixonavam; as minúcias das leis, os trâmites que precisavam seguir. Não era à toa que decidira ser juíza, pois tinha verdadeira paixão por aqueles longos parágrafos, aquelas letras pequeninas. Era como uma investigadora que desvenda um mundo novo, quase uma revelação; e apenas ela tinha aquele conhecimento, poucos iam tão a fundo no estudo de todos os trâmites jurídicos. Após algum tempo, repousou o livro, cuidadosa, no mesmo local de onde o retirara. Voltou-se para os próprios pensamentos. Sairia à noite. Mas disfarçada. A idéia capturou-a de maneira voluptuosa. Fazia isso vez ou outra. Vivia alguns disfarces. Era interessante rodar pela cidade fingindo ser outra pessoa. Arranjava até novos nomes. Além de ser uma juíza importante, sabia que tinha talento para também ser uma atriz. Na verdade, usava máscaras. Sentia-se seduzida, começou a imaginar como faria naquela noite.
O telefone, de repente, soou. Olhou o número de origem e não atendeu. Sabia de quem se tratava, um outro magistrado. Teria alguma dúvida e ligava para ela. Era mais antiga do que ele na função e conhecia certos procedimentos de que ele sempre necessitava. O aparelho continuou no seu lamento. Quando o silêncio voltou a predominar, reparou que o céu estava escuro lá fora, voltou então à questão. Um disfarce, sim, era tudo de que precisava.
Entrou em um táxi às dez e quarenta e cinco. Usava uma peruca de cabelos pretos compridos, óculos de lentes redondas um tanto azuladas, que não deixavam entrever, de todo, os olhos. Vestia um vestido que lhe cobria os joelhos. Mas o tecido era fino e deixava o corpo com curvas sinuosas. O decote era um tanto ousado e permitia que se apreciasse parte dos seios volumosos, além da pele brilhosa. Ascendia aroma de sutilíssimo perfume.
Naquela noite, o Esch Bar apresentava um trio de músicos ingleses. Não havia mesa disponível. Ela não fizera reserva e não desejava ter fornecido um nome falso para tal. Um senhor gordo, porém, ao reparar que a mulher ficara embaraçada porque não fora atendida na solicitação de uma mesa, convidou-a para a sua. Foi o maître que transmitiu o convite a Maria Zilda.
“Muito prazer, Emília”, mentiu Zilda.
“Nelson, encantado”, disse o homem.
“Agradeço a gentileza, acabo de chegar ao Brasil e perdi o costume de ter de reservar um lugar em restaurantes.”
“Oh, que grata surpresa, além de estar encantado, tenho ao meu lado alguém que frequenta as casas mais famosas da velha Europa?”
“Mais ou menos.”
“Qual sua profissão?”
Maria Zilda não se surpreendeu. Estava acostumada a essas perguntas indiscretas. Os homens só pensavam em profissões, negócios, dinheiro. Não tinham discrição suficiente para reparar que alguém poderia ser uma pessoa rica e não precisar trabalhar.
“Atualmente, não preciso trabalhar.”
Como o bar costumava ser frequentado por gente da elite, não temeu proferir a última frase. O homem, porém, olhou para ela com mais interesse.
O som dos músicos que iniciavam a apresentação veio do fundo da sala e fez que as pessoas se voltassem para o pequeno palco. Todos aplaudiram. Durante algum tempo, as pessoas interromperam a conversa e prestaram atenção à exibição dos artistas. Quando iam pela segunda música, Nelson chegou ao ouvido de sua recém-conhecida e sussurrou-lhe demonstrando entusiasmo:
“Eles são bons, não acha?”
Zilda, para ele Emília”, assentiu com a cabeça e sorriu.
Devido à proximidade, pode sorver o perfume da mulher; não era um perfume comum, tinha um componente especial que por segundos assaltou-lhe os sentidos, imergindo-o numa espécie de embriaguez. Desejou possuir aquela mulher naquela mesma noite. Sabia que, no entanto, não seria fácil. Fez que o garçom se aproximasse e pediu uma garrafa de vinho, do mais fino e famoso. Sabia que aquele tipo de mulher tinha um preço alto. Não poderia começar por qualquer bebida.
Os músicos ainda tocavam, aplaudidos vez ou outra por algum grupo mais exaltado, quando o casal tilintou as duas taças e Emília levou aos lábios a sua. Seus olhos brilharam ao mesmo tempo em que a bebida rubra espelhou as luzes frágeis da casa. Nelson percebeu e viu nessa conjunção, além de uma exuberante beleza, uma certa aprovação para suas intenções.
Saíram do bar às duas e trinta da madrugada. Beberam um pouco mais do que de costume, mas tinham-se sob domínio. Emília parecia estar completamente sóbria, apesar do vinho. Nelson ia mais alegre. Pensou em tomá-la pelos braços, mas a achou séria demais. Temia um revés.
“Será que posso levá-la em casa?”
“No seu lugar, eu não me arriscaria?”
Ele pareceu se surpreender e quis saber por quê.
“Moro na Barra, é muito longe daqui. Pego um táxi.”
“Oh, não, absolutamente, para mim nada é longe para estar um pouco mais em sua companhia.”
“Agradeço. Peço que não ínsita. Prefiro ir de táxi.”
Nelson ficou sem saber o que dizer. Tudo estava indo tão bem, estava tão encantado pela sorte que tivera naquela noite, que não imaginava perder a mulher. Mas não quis insistir, seria deselegante e, ao mesmo tempo, não queria humilhar-se.
“Se é assim que você deseja, ajudo a tomar seu táxi.”
Aguardaram. Depois que Emília embarcou, descobriu que não pedira e ela não lhe dera o número do telefone. Bom, essas coisas acontecem. Ao menos tivera ao seu lado durante a noite uma mulher encantadora.
Ao chegar em casa, Zilda estava afogueada. Tirou toda a roupa e deitou-se. Pôs-se a imaginar a impressão que causara no homem e no desejo que despertara nele. Não desejava propriamente a pessoa, mas sentia intenso prazer ao perceber que ocuparia durante algum tempo o pensamento de alguém.

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