segunda-feira, abril 20, 2009

De olhos vendados: capítulo 4

Durante duas semanas, Maria Zilda dedicou-se quase apenas ao trabalho. Nas horas vagas, principalmente nos momentos em que não tinha sono, lia algum romance. Durante muitos momentos, enquanto exercia seu cargo com a frieza que a justiça exige, chegou a pensar naquele homem educado com quem saíra para jantar e acabara por namorá-lo por uma noite. Ele não telefonara, nem mesmo uma vez. Ela tampouco. Ficou a lembrança. Quando levantava os olhos para ouvir o defensor de uma das partes sobre alguma questão trabalhista, muitas vezes o enfado fazia que ela escapasse daquela sala de onde teriam de sair decisões senão justas ao menos próximas à eqüidade.
Ao ultrapassar a marca dos vinte dias daquele último encontro, já esquecera o assunto; ou se isso não se dera, ao menos ocupava um ponto menor no rol de suas lembranças.
Foi então que uma das poucas amigas convidou-a para uma recepção. Rachel, a anfitriã, fizera parte com ela de uma vara criminal, quando iniciavam a carreira. Seguiram seus caminhos profissionais após alguns anos, conseguindo ambas ajeitar-se no ramo jurídico que mais agradava a cada uma, que não era o criminal. Depois o contato diminuiu, mas nunca desapareceu de todo. Ao receber o convite, Zilda achou que deveria comparecer. Andava muito sozinha e estar em meio a outras pessoas não lhe faria mal.
A festa estava marcada para o clube Caiçara, na Lagoa. Zilda, durante a tarde de sábado, preparou-se para o evento. Ela mesma cuidava do cabelo e de toda a aparência. Não tolerava salões de beleza nem especialistas em pele e maquiagem; fazia tudo de modo a manter o máximo de naturalidade e discrição.
Saiu de casa em torno de nove da noite. Como era a própria Rachel que fazia aniversário, calculava que os primeiros convidados não chegariam cedo. O normal, naquelas circunstâncias, era que a frequência aumentasse somente depois das dez horas.
Encontrou a pequena ilha, onde o clube se situa, muito iluminada. Um maître aguardava os convidados e os encaminhava para a balsa que não demorava a percorrer a pequena distância entre a entrada do clube e a ilha. Já que não estava frio, as mesas, inteiramente ornamentadas e preparadas para os convidados, se espalhavam pelo lado externo dos dois salões,. Os garçons já estavam servindo aperitivos e pequenos canapés. As pessoas aguardavam com expectativa a aniversariante. Após a travessia, Zilda foi recebida por um outro maître, este de terno preto. Ele, após encontrar o nome dela na lista de convidados, encaminhou-a com muita distinção a um dos principais lugares. Ela pensou em recusar e ficar por ali, andando de um lado a outro, com a expectativa de encontrar algum conhecido; assim se manteria mais à vontade. Mas a organização da festa era rigorosa. O homem fez questão de levá-la ao lugar pré-determinado. Um garçom se aproximou com um pequeno cardápio com tudo que seria servido e perguntou a ela o que a apetecia. Ela disse que comeria o mesmo que estava sendo servido para os outros convidados. Ele curvou a cabeça e saiu com a intenção de logo voltar. Alguns músicos já executavam, numa das partes do salão principal, uma pequena peça clássica.
Zilda observou dois jovens de uns vinte e poucos anos. Eles a olharam e ela ficou a pensar se a conheciam. Sorriam, conversavam fazendo gestos largos. Vestiam ternos, o que não era comum entre a juventude, mas se mostravam muito à vontade. Outro garçom parou com a bandeja e uma garrafa de uísque escocês junto a eles. Recusaram, mas de modo polido. Mantinham a animada discussão. Vez ou outra, o de cabelos castanho-claro virava-se para onde ela estava sentada, mas logo se voltava para o amigo.
Outras pessoas entraram, chegavam juntas. E uma delas era conhecida de Zilda. Tratava-se de uma mulher alta, que também trabalhava na Justiça, mas era defensora pública. Aproximou-se e cumprimentou a juíza, ficando durante alguns minutos desfiando uma conversa sem importância. Um dos rapazes dos que Zilda observara havia pouco aproximou-se, conhecia também a defensora. Cumprimentou-a e acabou sendo apresentado a Maria Zilda.
“É um grande prazer” ela retribuiu o sorriso.
A amiga observou que o lugar era muito chique; nunca estivera ali, não estava acostumada a festas desse tipo.
Zilda nada falou, mas propôs que sentassem juntas, pois a mulher também viera só.
O dois rapazes não se afastaram delas. A defensora, que se chamava Marlene, convidou-os:
“Vamos ficar todos juntos, assim a conversa flui mais animada.”
Acabaram sentando todos na mesa que estava reservada a Zilda. Imediatamente um dos garçons aproximou-se oferecendo uma bandeja com salgados. Sobre a mesa, repousavam, de modo harmonioso, uma garrafa de vinho e outra de champanha.
“Que bebida bonita”, sorriu Roberto – era o rapaz de cabelos pretos – ao receber do garçom o coquetel. “Tequila com limão e mais alguma coisa que não consigo distinguir.”
“Deixe-me provar”, o outro, Maurício, aceitou do garçom também uma taça e os dois começaram a travar um debate sobre o possível nome daquele coquetel.
Zilda ainda não aceitara bebida alguma. Sua amiga disse ao homem que desejava água mineral com gás.
Após alguns minutos, a conversa começou a definir-se. Em meio ao silêncio que perdurou por momentos, alguém se pôs a dar a primeira tacada, e foi sobre o nome de um livro: “Arcabouço mágico”. O livro era de autoria de Roberto, um dos jovens presentes. Seu amigo considerava a publicação como a mais inusitada nos últimos tempos.
“Ah, é você o autor dessa obra tão comentada”, Zilda mostrou-se surpresa. “Li uma resenha a respeito num jornal.”
“Com toda a modéstia de um jovem que lança o seu segundo livro; realmente acho que ainda tenho muito a aprender.”
“Pretendo comprá-lo dentro de alguns dias; é que ainda não tive tempo”, falou Zilda, “confesso que a matéria despertou minha atenção. Se soubesse que encontraria aqui o autor, já o teria comprado; traria para pedir um autógrafo.”
Roberto sorriu com o fato de ter encontrado alguém que sabia do livro.
“Que bom que encontrei a senhora. Até agora, fora o jornal, não soube de quem falasse do livro ou o elogiasse. A senhora trabalha com literatura, ou coisa semelhante?”
“Não; talvez até seja interessante trabalhar nesse ramo, mas nunca tive oportunidade.”
“Maria Zilda é uma juíza muito conceituada”, falou Marlene enquanto olhava para o interlocutor de Zilda.
“Juíza?” O amigo de Roberto pareceu levar um grande susto, “não sabia que encontraria aqui uma pessoa da mais alta patente.”
“Patente?”, atalhou Roberto, “onde juiz ou juíza é patente? Você com essa mania de hierarquia militar. E aqui entre nós, juízes e militares não se relacionam muito bem.”
Mara Zilda deixou escapar um riso franco, enquanto o próprio Maurício percebeu que acabara por fazer a conversa desviar-se. Tentou consertar.
“Peço desculpas; é a maneira de falar...”
“Você nem parece que estudou no Colégio Sion”, meteu-se Roberto de novo.
“Vamos fazer uma coisa”, disse Maria Zilda, “aqui somos apenas convidados para uma festa; esqueçamos cargos ou postos de importância. Já que estamos num lugar tão maravilhosamente ornamentado, pleno de pessoas bonitas e bem trajadas, um lugar onde predomina a arte, falemos dela, da arte, e já que estamos na presença de um escritor, ouçamos algo a respeito do seu livro.”
“Oh, não”, Roberto sorriu lisonjeiro, “é tão difícil falar sobre a própria obra.”
“Sei que escritores são pessoas vaidosas; você concorda?”, continuou Zilda.
“Lógico que ele há de concordar”, meteu-se Marlene; “ele finge falsa modéstia, conheço-o de outros carnavais.”
“Isso, a palavra certa: carnaval”, disse o escritor.
“Por quê?”, quis saber a juíza.
“Porque no carnaval cometem-se exageros, e a literatura para dar certo também precisa de exageros.”
“Como Dostoiévski?”, ela quis saber.
Roberto preparou-se para falar, mas reparou que seu copo estava vazio. Olhou na direção de um dos garçons – os garçons sempre se mostravam a postos – e este entendeu o que ele desejava.
“Dostoiévski não era um exagerado, senhora”, contestou.
“Não falo num sentido amplo, sobre sua obra toda; mas ele era de opinião de que a literatura não pode existir apenas com o lugar comum”, disse Zilda.
“Não sei, não sou leitor cuidadoso do escritor russo, pode ser que a senhora tenha razão.”
“Não precisa me chamar tanto de senhora, sejamos informais. Fale então sobre o seu livro. O que o levou ao tema?”
“O tema é a própria representação.”
Marlene e o amigo acompanhavam em silêncio, ora bebericando ora servindo-se de algum acompanhamento.
“Discuto no livro os diversos tipos de representação; mas não se trata de um ensaio, e sim ficção. Talvez tenha a ver com essa questão que você tocou, um tipo de exagero que precisa estar presente para que um texto capte o leitor”, Roberto continuou.
Outras pessoas chegavam. Em certo momento viu-se a aniversariante. Os quatro levantaram-se e procuraram captar sua atenção. Fizeram movimento de que iriam na direção dela, mas a mulher, muito bonita e reluzente nos adornos, fez sinal para que esperassem; dirigiu-se a eles.
“Que bom encontrar gente jovem e bonita, quero ser sempre assim, adoro vocês todos.”
Beijou primeiro Marlene, depois beijou e abraçou longamente Zilda e por fim dependurou-se nos rapazes.
“Comprei seu livro, vou começar a ler amanhã.”
“Ainda bem, assim não vou estar mais aqui”, ele completou.
Todos riram.
“Sei que vou gostar. Se amei o primeiro, acho que o segundo ainda deve ser melhor”, depois virou-se para Zilda e acrescentou:
“Ele é uma revelação; falo sério, não é porque ele está presente.”
A seguir pediu licença e partiu ao encontro dos outros convidados. Disse que caso houvesse algum problema quanto ao serviço, que a procurassem. Queria contentar todos os gostos.
Uma banda de música substituiu os músicos iniciais e começou a entoar um tipo de jazz. Apareceu em seguida uma mulher que, numa atitude cool, pôs-se a cantar. As pessoas aplaudiram.
Roberto aproximou-se mais de Maria Zilda; gostara da presença dela, percebeu que era uma mulher de personalidade, alguém capaz de expressar as próprias opiniões. Durante algum tempo, porém, não voltaram à literatura.
“Como é o processo de criação dos seus personagens?” Zilda perguntou, pegou a taça – tomava agora vinho – e esperou pela resposta.
O rapaz encenou um pouco, como que procurando valorizar seus pequenos gestos, depois falou:
“Eles aparecem.”
“Aparecem?”
“Simplesmente aparecem.”
“E não há um trabalho preparatório?”, insistiu Zilda.
“Quando há, não sobrevivem, ou mesmo renascem em outros.”
“Há oficinas por aí que ensinam muitas técnicas; parece que há jovens interessados em freqüentá-las...”
“Nunca pisei em uma.”
“Você não acredita em exercícios?”
“Acredito, mas não do jeito como são ensinados nesses lugares. As oficinas acabam servindo para que escritores ganhem dinheiro dando aulas; é um modo de sobrevivência para quem quer viver apenas da escrita.”
Maria Zilda sorriu, repousou a taça sobre a mesa. O rapaz ofereceu mais um pouco de vinho. Ela aceitou. Começava a gostar daquela mulher; ela tinha idade de ser sua mãe.
Marlene e Maurício perderam-se numa conversa paralela, que não era necessariamente sobre literatura. Ora ouviam a música, ora voltavam a alguma observação; pareciam fazer comentários sobre a festa e sobre as pessoas.
Lá pelas tantas, os músicos foram substituídos novamente. Dessa vez, a festa tornava-se pouco a pouco dançante. Uma banda que tocava rock ou mesmo algumas baladas fez que as pessoas se agarrassem e fossem para o meio do salão. O som tornou-se mais alto, impossibilitando a conversa. Roberto achou importante que isso acontecesse; temia estar sendo enfadonho e, além de tudo, já começava a sentir que o excesso de bebida lhe pesava a dicção. Com algum cuidado, falou:
“Sinto um pouco de receio ter de convidar uma juíza para dançar...”
Esperou que ela respondesse. Mas ela não o fez, apenas sorriu, levantou-se e tomou-lhe a mão. Dirigiram-se também para o centro do salão.
No dia que seguinte, Maria Zilda dormiu mais do que de costume e, quando acordou, percebeu que alguém lhe mandara um buquê com orquídeas e um cartão com dizeres elogiosos.
“Gostei muito de ter conhecido você. Conto que não me ‘julgue’ mal.” Abaixo vinha a assinatura: Roberto.
“Será que esses rapazes não dormem?”, pensou ela, ainda com muito sono. Depois sorriu ao observar o vocábulo “julgar” em destaque. Gostara de ter travado tal tipo de relação; apenas pensava como faria para levar o relacionamento adiante, e onde aquilo acabaria.
Por volta das quatro da tarde, Zilda atendeu o telefone. Era ele, Roberto. Ela, primeiro, agradeceu as flores, depois, ouviu-o. Ele queria encontrá-la à noite, precisava falar-lhe, dizia que era urgente.
“Urgente? De que se trata?”
“De literatura.”
“Então, não é urgente”, insistiu ela.
“Claro que é; não há nada mais urgente do que a literatura.”
Mara Zilda sorriu sozinha. Roberto não podia ver seu rosto. O sorriso era amplo e ela adivinhava o que vinha pela frente.
Roberto teve de esperar alguns dias para que ela aceitasse um encontro. Falaram-se duas ou três vezes pelo telefone durante a semana seguinte à festa. Enfim, marcaram para nove horas da noite de sábado, no restaurante Fiorentina.
Havia muito frequentara o Fiorentina. Mesmo antes da reabertura da casa tradicional. O restaurante primava por clientela importante, selecionada, portanto gostava do lugar. Na verdade, gostava também do bar do Sofitel. Mas uma mulher não pode estar sozinha durante muito tempo no mesmo lugar, desperta interesse até mesmo nos garçons. Depois de duas ou três visitas ao belo bar de estilo inglês, onde se podia ouvir música instrumental como algum jazz ou blues, voltou ao mesmo Fiorentina. Ali, era mais discreto.
Não é que Maria Zilda sempre saísse e quisesse uma vida boêmia. Nada disso. Na maior parte dos dias, voltava a casa, tomava um banho quente, ouvia música e lia alguma coisa. Mais tarde via algum telejornal, de preferência na TV fechada. Não dormia muito tarde.
Voltava, àquela noite, à famosa casa situada no Leme. Ao entrar, o maître a reconheceu e fez um cumprimento respeitoso. Depois, perguntou o número de lugares que ela queria.
“Apenas dois, e que seja discreto.”
O homem a levou até uma das mesas laterais, de onde podia apreciar quase todo o ambiente; mas, devido à posição transversal que ocupava, estaria ela e o acompanhante livres de olhares indesejados.
Roberto chegou pontualmente e se surpreendeu ao ser de pronto identificado pelo mesmo maître e de ser levado até onde estava a mulher.
“Que surpresa, você é pontual.”
“Sou uma juíza.”
Sentiu-se um pouco embaraçado; não esperava por aquelas palavras. Tranqüilizou-se quando Zilda abriu um sorriso e pediu que não se assustasse. Não costumava falar assim.
Pouco a pouco foram sondando o terreno e puderam conversar de modo mais solto. Pediram para beber coquetéis suaves, sem ácool, que mais impressionavam pela cor. Para comer, permaneceram longamente apenas beliscando o couvert.
“Quer dizer que há algo urgente quanto à literatura?”, quis saber Zilda.
“Não exatamente”, Roberto falou e virou-se para ela, como se quisesse observá-la com vagar e em detalhes.
“Como, não? Por que você quis então encontrar comigo?”
“Porque achei você uma pessoa digna de habitar as páginas dos melhores romances.”
“Ah!”, exclamou e sorriu mais uma vez. “Talvez você não se engane...”
“Quer dizer que você mesma também acha?”
“Você talvez tenha oportunidade de me conhecer melhor; daí poderá ter sua opinião.”
A conversa assumiu um tom formal; aquilo incomodava o escritor. Queria quebrar a barreira que surgira entre os dois e experimentar um pouco de camaradagem. Foi então que falou.
“Conheci você semana passada na festa da Rachel, esperava conversar hoje com franqueza, mas sinto que há algo entre nós que se apresenta intransponível. Peço desculpas.”
Zilda riu mais uma vez; simulou tirar a máscara e roçou os longos dedos sobre uma das mãos do rapaz. Aquilo pareceu amenizar a situação.
“Você sabe que sou um romancista, interesso-me pelas pessoas, achei você de uma intensa personalidade...”
Ela então interveio:
“Você quer realmente me conhecer ou quer construir um personagem para uma de suas histórias?”
Roberto franziu a testa, tentava disfarçar mas, na verdade, desejava a mulher.
“Se quer me conhecer, chegue mais perto, por favor”, falou Zilda, “se quer até me namorar, talvez eu diga que sim, mas não me convide para outros fins; não gosto de ser usada, meu amor.”
Durante alguns segundos, ele não soube o que dizer. Embora tivesse toda a experiência em criar personagens, não esperava por uma mulher daquele tipo. Ao mesmo tempo não precipitou o que lhe trouxera até aquela mulher.
Ela ainda complementou:
“Não tenho vergonha de dizer isso; e olha que tenho idade de ser sua mãe.”
“Quando se é hábil na escrita, não se tem a mesma destreza num confronto direto”, fora a fala de um dos personagens do seu primeiro livro, lembrou-se dela e atirou-a em direção à mulher.
“Interessante suas palavras”, Zilda não conhecia o livro nem a fala do personagem. A seguir, continuou: “esqueça a mãe, fica mulher.” Escorregou até ele e beijou-lhe a testa.
Dali em diante a conversa tornou-se amena.
“A literatura na verdade é urgente”, voltou Roberto ao assunto, “não se pode viver sem a fantasia.”
“Há muitos modos de se realizar a fantasia, mas também acho que a literatura é o modo mais adequado.”
As últimas palavras, ditas por Zilda, fizeram que ele se alegrasse.
“Você pensa mesmo assim?”
“Penso; não mentiria a você. Leio em média cinco livros por mês. Conheço alguma coisa.”
“Puxa, que bom conhecer uma mulher que têm essas opiniões...”
O garçom aproximou-se com uma garrafa de vinho tinto. Zilda alertara o maître a respeito da hora exata de trazê-la. Abriu-a com estilo e fez o gesto de que um deles experimentasse a bebida. Foi ela quem provou. Sorriu em aprovação. O garçom encheu cada taça até a metade, deixou a garrafa sobre a mesa e afastou-se. Roberto foi o primeiro a levantar a taça para fazer o brinde. Tilintaram e beberam alguns goles.
O rapaz olhou de modo mais intenso para os seios de Zilda. Ela trajava um vestido bege com estampas escuras, que não disfarçava seus seios volumosos. Ela estava elegante e tinha o corpo em forma. Notou que ele a olhava.
“Conversar sobe literatura às vezes pode ser enfadonho”, ela se expressou assim e levantou a taça para beber mais uma vez.
Roberto não teve o que dizer; apenas pensou e concluiu que tinha diante de si uma mulher difícil. De repente ouviu:
“Você sabe representar?”
“Representar? Como no teatro?
“Isso, como no teatro.”
“Não, não tenho essa habilidade; posso até escrever as falas, mas representar seria um caos.”
“Você já escreveu algum texto para ser representado?”
“Escrevi um, uma vez, mas foi coisa de amador; não creio que faria sucesso hoje.”
“E por que não tenta escrever outras vezes?”
“Sinto-me tolhido quando escrevo textos onde só existem diálogos.”
“Eu vou representar para você.”
“Você é atriz?”
“Depende da ocasião.”
“Em que teatro se dará o espetáculo?”
“Não será no teatro.”
“Onde então.”
“Você saberá.”
Maria Zilda desviou a conversa. Falaram sobre alguns livros, discutiram um pouco de filosofia, depois enveredaram por uma discussão que tinha como destaque um autor americano que falara que a literatura estava com os dias contados. A conversa também escapou em outro rumo quando ela acrescentou:
“E o que não está com os dias contados?”
Roberto riu. Diria que não foi isso que aquele autor quisera dizer, mas preferiu o silêncio. Tomavam os últimos goles da garrafa de vinho.
Ela não aceitou ir mais a lugar algum, alegou cansaço. Desejava a própria casa e a solidão. Deixaram em aberto o próximo encontro.
Roberto, pelo que conhecia das mulheres, chegara à conclusão de que não a veria mais. Ao menos em encontros como aquele. Achou que agira mal, que maculara a própria imagem. A mulher era exigente. Mesmo que ele fosse bom escritor, não conseguiria convencê-la a respeito de coisa alguma. Ela procuraria alguém mais interessante.

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