Durante duas semanas Zilda esteve às voltas com a leitura de um processo muito extenso. Tratava-se de uma ação movida por um grupo de pessoas que se sentia ludibriado por um empresário fraudulento. Ela precisou de noites inteiras dedicadas à questão. Quando tinha algum tempo vago, consultava compêndios sobre o tema. Era perfeccionista, queria a decisão mais acertada.
Nos poucos momentos vagos, tentava ler um romance. Gostava de, ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho, estar fazendo algo que a distraísse. A leitura de romances era um tipo eficaz de distração. Caíra-lhe nas mãos um romance de uma autora russa que escrevera sua obra em francês. O livro chamava-se Suíte francesa. No começo achou que era uma narrativa comum, dessas que a gente lê e logo esquece, mas depois descobriu que se tratava de uma história pungente, ocorrida em meio à Segunda Grande Guerra. Sentiu pena de não poder dedicar-se àquela leitura de modo exclusivo. Como os processos tomavam-lhe grande parte da noite, a leitura do livro era muito desejada, mas pouco avançava.
Duas semanas após a última saída noturna, resolveu dar a si uma noite de prazer. Começou a pensar o que poderia fazer. Gostava daqueles disfarces, de sair como outra pessoa. Durante alguns anos tentara fazer análise psicanalítica para descobrir o motivo daquela ânsia de representação. Mas trocara umas tantas vezes de analista, que concluíra que aquilo não era para ela. Lembrou de uma amiga que gostava de se fazer de ex-hippie e que freqüentava boates que tocavam músicas dos anos de 1960, gostava de Janes Joplin. Quis arrumar-se de modo semelhante. Vestiu-se, mas achou-se ridícula quando se olhou no espelho. Decidiu então usar uma peruca de cabelos compridos castanho-claro. Vestiu uma blusa que deixava seus seios volumosos e insinuantes. Experimentou um tipo de minissaia. Não era curta, mas sentiu-se nua com aquela roupa. Faltava a sandália. Optou por uma de meio salto. O conjunto combinava. Mas parecia ser ela ainda, Maria Zilda. Tinha que intensificar o disfarce. Com um batom de um vermelho carmesim cobriu os lábios. Para completar, levou ao rosto óculos escuros. Era noite, mas esses óculos eram a única maneira de livrar-se da própria personalidade. Talvez na boate pudesse tirá-los. Caso não o fizesse, ninguém tinha nada com isso. Poderiam achá-la louca, mas pouco se importava. Perfumou-se com um perfume extravagante, tomou nas mãos a cigarreira, colocou-a na bolsa e estava pronta para sair.
Na rua, ao embarcar num táxi que chamara pelo telefone, reparou quando duas adolescentes olharam em sua direção e comentaram alguma coisa. As moças talvez opinassem que ela seria uma mulher autêntica. E na verdade era. Chamava-se naquela noite, Adélia.
Quando entrou na boate, o recepcionista perguntou se fizera reserva ou se pertencia a algum grupo. Ah, o eterno problema das reservas. Como poderia saber quando fazer reserva se decidia ir aos lugares de repente e sozinha? Disse que pertencia a um grupo que se reunia naquele lugar às quartas. Sabia que havia muitos desses grupos, que marcavam festas para quase todas as semanas. O homem citou o nome de algumas personalidades. Ela disse que acreditava que seu grupo estava um pouco atrasado, mas que não demoraria. O funcionário deu-lhe uma insígnia para que colocasse na blusa. Assim ela entrou.
Não havia muitas pessoas na pista. Quase todas as mesas já estavam tomadas e nelas casais ou grupo de amigos conversavam. Como ainda era cedo, a música era lenta e o ambiente tranquilo. O garçom surgiu como por encanto com a bandeja cheia de copos de uísque. Ofereceu um e ela aceitou. Reparou que era permitido fumar. Abriu a pequena bolsa, tirou um cigarro e o acendeu. Numa das mesas, viu um casal num beijo demorado. Não se incomodavam com as outras pessoas. Entregavam-se totalmente um ao outro, como se tivessem apenas aquela noite para amar. Reparou uma mulher de uns trinta e poucos anos que se levantou de uma das mesas. Seu vestido parecia apenas uma blusa, era curtíssimo. Numa das extremidades da pista de dança, viu dois rapazes conversando; um deles a mirava com insistência. Pouco a pouco a música foi ficando mais rápida; as pessoas começaram a mexer mais o corpo, acompanhavam o ritmo. Os rapazes animaram-se, a pista tornou-se mais freqüentada e o que a olhara veio para onde estava Adélia. Tomou-a pelo braço num gesto convidativo e a puxou para o centro, bem em meio às outras pessoas. As luzes rodopiavam em várias cores, incentivam um delírio que apenas começava. Maria Zilda deixou-se envolver pela música e pelo homem. Assim permaneceram durante várias músicas, algumas mais rápidas, outras, menos. Quando o ritmo permitia, ela era abraçada por seu par e deixava-se levar, sempre acompanhando-o nos movimentos. Em algum momento pediu licença e tirou da bandeja de um dos garçons mais um copo de uísque. A bebida a deixava animada, numa intempérie que não ocorreria caso estivesse sóbria. O rapaz a acompanhava, mas tomava cerveja. Em meio ao som alto, não era possível conversar; voltaram então para a pequena pista e dançaram. Reparou que muitos casais beijavam-se na boca. Maria Zilda não iria tão longe, mas Adélia poderia.
“Tira um pouco os óculos”, a voz do rapaz lhe chegou ao ouvido após algumas tentativas vãs, em meio ao barulho e à agitação.
Ela por meio de gestos fez que não, estava bem assim.
“Por que os óculos?”
Ela fez alguns gestos e pôs-se a rodopiar como se não tivesse entendido o que ele perguntara.
Após mais algumas músicas, pediu licença e foi ao toalete. Lá havia outras mulheres. Ouviu de uma delas a respeito de um rapaz que viera naquele dia, com quem tivera um breve namoro. A outra respondia que não via nada de mais, pois se já nenhuma relação tinha com ele, não deveria cumprimentá-lo. Fingisse que não o reconhecia.
“Esse seus óculos é show”, disse uma mulher, “você soube escolher bem, serve mesmo para noite, você ficou uma gata”, sorriu para ela.
Adélia ao sair não mais queria encontrar o rapaz. Como faria para que dali para frente ele não a assediasse? Dirigiu-se para o bar. Lá casais conversavam com mais tranquilidade, porque a música não chegava com tanta intensidade. Alguns homens estavam sozinhos e permaneciam junto ao balcão. Havia quem tomasse cerveja, taça de vinho e até mesmo quem tinha junto de si uma garrafa de uísque. Um senhor sorriu para ela e pediu para que se aproximasse. Adélia o atendeu.
“Rui, é um prazer estar junto a uma mulher encantadora”, ele era baixo, um pouquinho gordo, mas parecia ser simpático. Tinha cabelos apenas nas partes laterais da cabeça.
“Adélia, também fico feliz em conhecê-lo.”
“Conhecê-lo?, que charme!”, espantou-se com a maneira de ela falar.
Ofereceu a ela a bebida, pediu ao garçom um copo com algumas pedras de gelo e colocou um pouco de uísque.
“Basta, por favor, acho que já bebi demais.”
“Essa líquido dourado e glorioso nunca é demais.”
O bar ficava no fundo, de onde se podia ver todo o ambiente. Àquela hora já havia muitas pessoas na boate. Ela olhou ao redor e observou que as luzes moviam-se, que não apenas as pessoas balançavam-se ao sabor da música rápida, mas que tudo parecia girar. As luzes e a escuridão no intervalo de cada mudança de movimento dos pequenos holofotes eram mergulhos no negrume que há no espaço vazio do céu, onde o brilho das estrelas chegam rarefeitos. O rapaz que estivera durante a maior parte do tempo com ela a encontrou.
“Você sumiu, estava à sua procura.”
“Você então é um bom investigador”, falou enquanto descansava o copo, após ter tomado mais um gole de uísque.
“Vamos, a pista está fervendo.”
“Prefiro ficar aqui; ah, queria apresentar a você o meu namorado”, apontou para o senhor que conhecera havia pouco.
Este, sem demonstrar surpresa, estendeu a mão ao jovem, disse o nome e completou com: “é um imenso prazer”.
Depois que desistiu de Adélia e afastou-se, ela voltou-se para Rui e disse:
“Você me salvou, obrigada, já estava cansada dele, assediou-me desde que cheguei.”
“Eu que agradeço por ter sido promovido a posto tão honroso.”
“Posto?”
“Por que não?”
A música romântica fez que os casais se abraçassem; era uma balada, incentivava namoros. Muitos se beijaram na boca. Não teve coragem de se voltar ao homem que estava a seu lado. Sempre gostara da espontaneidade desses jovens, mesmo daqueles que já entravam pelos anos e demonstravam o mesmo ardor. Agarram-se e beijam-se com tanta facilidade. Apenas concluiu o pensamento, sentiu a mão do homem a tocar-lhe os ombros. Depois ele colocou-se à sua frente, abraçou-a e ensaiaram alguns movimentos que não eram bem os de uma dança. Seus corpos se tocaram. Ela pode sentir o calor que o corpo dele emanava. Então também o abraçou e fez que ficasse mais apertado a si. Ele exalava álcool; ela, porém, nada podia reclamar, bebera já três doses, seu hálito, portanto, não deveria ser diferente. Foi então que o beijou. A espontaneidade das outras pessoas e o efeito da bebida ajudaram-na. Precipitara-se, mas não se arrependia.
Durante cerca de duas horas ficaram num namoro apertado, um junto ao outro; ora iam até a pista, ora voltavam ao bar, onde a garrafa de uísque os esperava. Enquanto dançaram, permaneceram bem próximos. Não admitiram a intromissão de homens ou mulheres que se aproximavam remexendo o corpo, em busca de cumplicidade, mesmo que apenas na sintonia dos movimentos.
Já ia alta a madrugada quando ela percebeu que tinha de ir. Caso contrário, não manteria o disfarce. O mínimo que aconteceria era ter de revelar onde morava. Não desejava deixar tal pista. Manter-se anônima custava caro. Pediu licença e foi ao toalete. Ao voltar, disse:
“Preciso partir”, sua voz tinha o timbre trágico das artistas de talento.
“Levo você.”
“Não é possível.”
“Mas, por quê?”
“Espero que compreenda.”
“Mas eu não poderia deixar você ao menos nas proximidades...”
“Volto de táxi.”
Rui olhou com certa tristeza. Já tivera muitas mulheres, passara por várias alegrias e desilusões com elas; pressentia que, aquela à sua frente, elegante, de saia curta, não seria de fácil conquista. Tinha a experiência dos velhos amantes, sabia que não devia insistir. Mostrou-se suave.
“Deixe-me beijá-la.”
Adélia não só permitiu o beijo como tocou com ambas as mãos as costas do homem, trazendo-o mais próximo. Ao mesmo tempo fechou os olhos e os manteve assim para que ele a observasse; deixara nas pálpebras cerradas uma ponta de volúpia que ele não deixou de reparar.
“Acompanho você até o lado de fora.”
“Não é preciso, peço que fique.”
Tocou-lhe o rosto com mais um beijo, depois deu as costas e partiu.
Nos poucos momentos vagos, tentava ler um romance. Gostava de, ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho, estar fazendo algo que a distraísse. A leitura de romances era um tipo eficaz de distração. Caíra-lhe nas mãos um romance de uma autora russa que escrevera sua obra em francês. O livro chamava-se Suíte francesa. No começo achou que era uma narrativa comum, dessas que a gente lê e logo esquece, mas depois descobriu que se tratava de uma história pungente, ocorrida em meio à Segunda Grande Guerra. Sentiu pena de não poder dedicar-se àquela leitura de modo exclusivo. Como os processos tomavam-lhe grande parte da noite, a leitura do livro era muito desejada, mas pouco avançava.
Duas semanas após a última saída noturna, resolveu dar a si uma noite de prazer. Começou a pensar o que poderia fazer. Gostava daqueles disfarces, de sair como outra pessoa. Durante alguns anos tentara fazer análise psicanalítica para descobrir o motivo daquela ânsia de representação. Mas trocara umas tantas vezes de analista, que concluíra que aquilo não era para ela. Lembrou de uma amiga que gostava de se fazer de ex-hippie e que freqüentava boates que tocavam músicas dos anos de 1960, gostava de Janes Joplin. Quis arrumar-se de modo semelhante. Vestiu-se, mas achou-se ridícula quando se olhou no espelho. Decidiu então usar uma peruca de cabelos compridos castanho-claro. Vestiu uma blusa que deixava seus seios volumosos e insinuantes. Experimentou um tipo de minissaia. Não era curta, mas sentiu-se nua com aquela roupa. Faltava a sandália. Optou por uma de meio salto. O conjunto combinava. Mas parecia ser ela ainda, Maria Zilda. Tinha que intensificar o disfarce. Com um batom de um vermelho carmesim cobriu os lábios. Para completar, levou ao rosto óculos escuros. Era noite, mas esses óculos eram a única maneira de livrar-se da própria personalidade. Talvez na boate pudesse tirá-los. Caso não o fizesse, ninguém tinha nada com isso. Poderiam achá-la louca, mas pouco se importava. Perfumou-se com um perfume extravagante, tomou nas mãos a cigarreira, colocou-a na bolsa e estava pronta para sair.
Na rua, ao embarcar num táxi que chamara pelo telefone, reparou quando duas adolescentes olharam em sua direção e comentaram alguma coisa. As moças talvez opinassem que ela seria uma mulher autêntica. E na verdade era. Chamava-se naquela noite, Adélia.
Quando entrou na boate, o recepcionista perguntou se fizera reserva ou se pertencia a algum grupo. Ah, o eterno problema das reservas. Como poderia saber quando fazer reserva se decidia ir aos lugares de repente e sozinha? Disse que pertencia a um grupo que se reunia naquele lugar às quartas. Sabia que havia muitos desses grupos, que marcavam festas para quase todas as semanas. O homem citou o nome de algumas personalidades. Ela disse que acreditava que seu grupo estava um pouco atrasado, mas que não demoraria. O funcionário deu-lhe uma insígnia para que colocasse na blusa. Assim ela entrou.
Não havia muitas pessoas na pista. Quase todas as mesas já estavam tomadas e nelas casais ou grupo de amigos conversavam. Como ainda era cedo, a música era lenta e o ambiente tranquilo. O garçom surgiu como por encanto com a bandeja cheia de copos de uísque. Ofereceu um e ela aceitou. Reparou que era permitido fumar. Abriu a pequena bolsa, tirou um cigarro e o acendeu. Numa das mesas, viu um casal num beijo demorado. Não se incomodavam com as outras pessoas. Entregavam-se totalmente um ao outro, como se tivessem apenas aquela noite para amar. Reparou uma mulher de uns trinta e poucos anos que se levantou de uma das mesas. Seu vestido parecia apenas uma blusa, era curtíssimo. Numa das extremidades da pista de dança, viu dois rapazes conversando; um deles a mirava com insistência. Pouco a pouco a música foi ficando mais rápida; as pessoas começaram a mexer mais o corpo, acompanhavam o ritmo. Os rapazes animaram-se, a pista tornou-se mais freqüentada e o que a olhara veio para onde estava Adélia. Tomou-a pelo braço num gesto convidativo e a puxou para o centro, bem em meio às outras pessoas. As luzes rodopiavam em várias cores, incentivam um delírio que apenas começava. Maria Zilda deixou-se envolver pela música e pelo homem. Assim permaneceram durante várias músicas, algumas mais rápidas, outras, menos. Quando o ritmo permitia, ela era abraçada por seu par e deixava-se levar, sempre acompanhando-o nos movimentos. Em algum momento pediu licença e tirou da bandeja de um dos garçons mais um copo de uísque. A bebida a deixava animada, numa intempérie que não ocorreria caso estivesse sóbria. O rapaz a acompanhava, mas tomava cerveja. Em meio ao som alto, não era possível conversar; voltaram então para a pequena pista e dançaram. Reparou que muitos casais beijavam-se na boca. Maria Zilda não iria tão longe, mas Adélia poderia.
“Tira um pouco os óculos”, a voz do rapaz lhe chegou ao ouvido após algumas tentativas vãs, em meio ao barulho e à agitação.
Ela por meio de gestos fez que não, estava bem assim.
“Por que os óculos?”
Ela fez alguns gestos e pôs-se a rodopiar como se não tivesse entendido o que ele perguntara.
Após mais algumas músicas, pediu licença e foi ao toalete. Lá havia outras mulheres. Ouviu de uma delas a respeito de um rapaz que viera naquele dia, com quem tivera um breve namoro. A outra respondia que não via nada de mais, pois se já nenhuma relação tinha com ele, não deveria cumprimentá-lo. Fingisse que não o reconhecia.
“Esse seus óculos é show”, disse uma mulher, “você soube escolher bem, serve mesmo para noite, você ficou uma gata”, sorriu para ela.
Adélia ao sair não mais queria encontrar o rapaz. Como faria para que dali para frente ele não a assediasse? Dirigiu-se para o bar. Lá casais conversavam com mais tranquilidade, porque a música não chegava com tanta intensidade. Alguns homens estavam sozinhos e permaneciam junto ao balcão. Havia quem tomasse cerveja, taça de vinho e até mesmo quem tinha junto de si uma garrafa de uísque. Um senhor sorriu para ela e pediu para que se aproximasse. Adélia o atendeu.
“Rui, é um prazer estar junto a uma mulher encantadora”, ele era baixo, um pouquinho gordo, mas parecia ser simpático. Tinha cabelos apenas nas partes laterais da cabeça.
“Adélia, também fico feliz em conhecê-lo.”
“Conhecê-lo?, que charme!”, espantou-se com a maneira de ela falar.
Ofereceu a ela a bebida, pediu ao garçom um copo com algumas pedras de gelo e colocou um pouco de uísque.
“Basta, por favor, acho que já bebi demais.”
“Essa líquido dourado e glorioso nunca é demais.”
O bar ficava no fundo, de onde se podia ver todo o ambiente. Àquela hora já havia muitas pessoas na boate. Ela olhou ao redor e observou que as luzes moviam-se, que não apenas as pessoas balançavam-se ao sabor da música rápida, mas que tudo parecia girar. As luzes e a escuridão no intervalo de cada mudança de movimento dos pequenos holofotes eram mergulhos no negrume que há no espaço vazio do céu, onde o brilho das estrelas chegam rarefeitos. O rapaz que estivera durante a maior parte do tempo com ela a encontrou.
“Você sumiu, estava à sua procura.”
“Você então é um bom investigador”, falou enquanto descansava o copo, após ter tomado mais um gole de uísque.
“Vamos, a pista está fervendo.”
“Prefiro ficar aqui; ah, queria apresentar a você o meu namorado”, apontou para o senhor que conhecera havia pouco.
Este, sem demonstrar surpresa, estendeu a mão ao jovem, disse o nome e completou com: “é um imenso prazer”.
Depois que desistiu de Adélia e afastou-se, ela voltou-se para Rui e disse:
“Você me salvou, obrigada, já estava cansada dele, assediou-me desde que cheguei.”
“Eu que agradeço por ter sido promovido a posto tão honroso.”
“Posto?”
“Por que não?”
A música romântica fez que os casais se abraçassem; era uma balada, incentivava namoros. Muitos se beijaram na boca. Não teve coragem de se voltar ao homem que estava a seu lado. Sempre gostara da espontaneidade desses jovens, mesmo daqueles que já entravam pelos anos e demonstravam o mesmo ardor. Agarram-se e beijam-se com tanta facilidade. Apenas concluiu o pensamento, sentiu a mão do homem a tocar-lhe os ombros. Depois ele colocou-se à sua frente, abraçou-a e ensaiaram alguns movimentos que não eram bem os de uma dança. Seus corpos se tocaram. Ela pode sentir o calor que o corpo dele emanava. Então também o abraçou e fez que ficasse mais apertado a si. Ele exalava álcool; ela, porém, nada podia reclamar, bebera já três doses, seu hálito, portanto, não deveria ser diferente. Foi então que o beijou. A espontaneidade das outras pessoas e o efeito da bebida ajudaram-na. Precipitara-se, mas não se arrependia.
Durante cerca de duas horas ficaram num namoro apertado, um junto ao outro; ora iam até a pista, ora voltavam ao bar, onde a garrafa de uísque os esperava. Enquanto dançaram, permaneceram bem próximos. Não admitiram a intromissão de homens ou mulheres que se aproximavam remexendo o corpo, em busca de cumplicidade, mesmo que apenas na sintonia dos movimentos.
Já ia alta a madrugada quando ela percebeu que tinha de ir. Caso contrário, não manteria o disfarce. O mínimo que aconteceria era ter de revelar onde morava. Não desejava deixar tal pista. Manter-se anônima custava caro. Pediu licença e foi ao toalete. Ao voltar, disse:
“Preciso partir”, sua voz tinha o timbre trágico das artistas de talento.
“Levo você.”
“Não é possível.”
“Mas, por quê?”
“Espero que compreenda.”
“Mas eu não poderia deixar você ao menos nas proximidades...”
“Volto de táxi.”
Rui olhou com certa tristeza. Já tivera muitas mulheres, passara por várias alegrias e desilusões com elas; pressentia que, aquela à sua frente, elegante, de saia curta, não seria de fácil conquista. Tinha a experiência dos velhos amantes, sabia que não devia insistir. Mostrou-se suave.
“Deixe-me beijá-la.”
Adélia não só permitiu o beijo como tocou com ambas as mãos as costas do homem, trazendo-o mais próximo. Ao mesmo tempo fechou os olhos e os manteve assim para que ele a observasse; deixara nas pálpebras cerradas uma ponta de volúpia que ele não deixou de reparar.
“Acompanho você até o lado de fora.”
“Não é preciso, peço que fique.”
Tocou-lhe o rosto com mais um beijo, depois deu as costas e partiu.
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