O aeroporto internacional Tom Jobim tinha um movimento digno de uma quinta-feira; um número médio de pessoas transitava por suas dependências. O local onde havia mais movimento era o terceiro piso, onde fica um pequeno shopping e a praça de alimentação. Roberto chegara cedo, faltavam em torno de duas horas para o seu vôo. Dirigiu-se ao restaurante Domoiselle, o mais luxuoso do lugar. Ele vinha puxando uma pequena mala e trazia no ombro uma pasta, em que guardava alguns livros, documentos e o notebook. Um funcionário do restaurante acompanhou-o até uma das mesas e disse que ficasse à vontade. Roberto olhou ao redor, reparou os dois salões, um deles ainda quase vazio, com mesas cobertas por toalhas muito brancas, sobre elas talheres de prata; poltronas acolchoadas rodeavam as mesas. Optou pelo salão central, onde várias pessoas já almoçavam. Havia um longo corredor com as iguarias arranjadas artisticamente. As pessoas podiam transitar por ali e escolher o que bem desejassem. Pousou as malas sobre uma das poltronas, tendo a preocupação de avisar a um dos garçons que iria até o self-service. O funcionário atendeu-o e falou que não se preocupasse. Roberto segurou um grande prato e colocou um pouco de salada, alguns legumes cozidos e um pedaço de frango grelhado. Decidiu que faria uma alimentação frugal. Voltou à mesa e encomendou um suco de laranja sem gelo. Enquanto comia, reparou as pessoas que se espalhavam pelas outras mesas. Havia muitos homens de terno; alguns usavam crachás que indicavam quem eram e em que trabalhavam. Reparou na mesa ao lado dois homens que deveriam ter trinta e poucos anos. Suas identificações mostravam que se tratava de funcionários da Polícia Federal. Seus ternos eram muito elegantes e os dois se portavam com desenvoltura e naturalidade. Conversavam animados e em determinado momento acenaram para um senhor mais velho que eles. O de aspecto mais jovem disse:
“É meu amigo, trabalha na Receita.”
Apresentou-o ao outro. O recém-chegado juntou-se a eles e a conversa tornou-se ainda mais animada.
Roberto gostou de apreciar aqueles três. Irradiavam um ar de felicidade e satisfação pelo local em que estavam e provavelmente pelos cargos que ocupavam na vida profissional.
Em outras mesas havia senhores dos mais variados tipos, mas a frquência do local primava por aqueles que tinham mais de quarenta anos. Algumas mulheres também almoçavam, sempre junto a dois ou três daqueles homens, todos tinham o aspecto de pessoas bem sucedidas. Em uma das mesas, uma jovem falava ao telefone, seu cabelo castanho descia sobre o ombro esquerdo numa enorme mecha.
Quando acabou a refeição principal, o garçom veio perguntar-lhe se estava satisfeito. Agradeceu. Disse que se sentia muito feliz por estar ali. O empregado apontou-lhe a mesa das sobremesas. Roberto levantou-se e rodeou o local. Decidiu comer um pequeno doce de cor amarela. Depois agradeceu muito, pagou a conta e saiu.
Já fora do restaurante, caminhou pelo salão onde ficam os cafés e as lanchonetes. Olhou uma coisa e outra, deu-se com as lojas que vendiam lembranças do Brasil, como café, cachaça, perfumes e outras miudezas. Depois olhou a livraria. Deu alguns passos mudando de direção e viu a grande lanchonete do Café Palheta. Sentiu vontade de tomar chá preto. Perguntou a uma das funcionárias se a casa servia chá. Ela disse que sim. Ele dirigiu-se ao caixa e pediu a bebida. Quando se encontrava em uma das mesas, observou uma mulher muito bonita, que vinha descontraída; ela sentou-se em uma das mesas próximas. Destacava-se das outras pessoas porque usava vestido preto curto, que saía por baixo de uma jaqueta branca de algodão; a jaqueta ia aberta. A mulher provavelmente ouvia música; era possível observar os fones que tinha no ouvido. Ela sorriu, talvez para ela mesma, tomou nas mãos o telefone e fez uma ligação. Soltou um dos fones, sua voz fez-se ouvir; abriu um sorriso ainda maior e pareceu falar com alguém a quem chamava de amor. Enquanto se manteve sentada, cruzara as pernas; apareceram-lhe as grossas coxas nuas. Roberto ficou a observá-las e achou-se pequeno para uma mulher daquele tipo. As pernas compridas dela com a sandália alta nos pés ressaltavam a elegância da jovem. Ele pensou um pouco mais e concluiu que, na verdade, nada tinha que o diminuísse perante uma mulher daquele tipo. Viu que ela virou-se e olhou para ele algumas vezes; mantinha o sorriso. Como ainda estava ao telefone, não sabia se o sorriso era para ele ou para a pessoa com quem falava. Quando desligou o aparelho, sua primeira ação foi colocar novamente os fones no ouvido. Ainda permaneceu à mesa durante alguns segundos, depois se levantou e partiu em direção a uma das lanchonetes. Trazia uma bolsa dependurada a um dos ombros e via-se um casaco de malha grossa amarrado elegantemente à própria bolsa. Depois que ela se foi, Roberto levantou-se e deu mais uma volta pelas lojas; caminhou até a proximidade dos caixas eletrônicos; quando voltou e dirigia-se à escada rolante, deu-se mais uma vez com a mulher; ela caminhava em sentido contrário. Roberto olhou mais uma vez para o seu rosto, depois para o vestido curto e, por fim, para suas coxas nuas. Foi a última vez que a viu.
Durante o vôo para Brasília, Roberto leu uma revista de poesia. Na verdade, ela aparentava mais um livro, devido ao formato e tamanho. Muitos autores escreviam nela, poetas, sobretudo, e de vários países. O exemplar que ele portava tinha o autógrafo do organizador, um poeta conhecido. Roberto comparecera ao lançamento.
Ao seu lado, a poltrona ia vazia, mas na seguinte havia uma jovem, talvez tivesse dezoito ou dezenove anos. Ele sorriu algumas vezes; aqueles sorrisos que as pessoas expressam muitas vezes em viagens, quando não tem o que dizer. Sempre há alguém que é solidário durante um espaço de tempo em que se tem de conviver juntos, mas, ao mesmo tempo, não se deseja conversar, apenas um sorriso de simpatia. A moça lia a revista Seleções. Interessante, pensou ele, não via ninguém ler essa revista havia muito. Voltou-se para o livro de poesias. A comissária passou rápida e sorriu também. Ele reparou que ela usava nos braços uma espécie de manga comprida, mas que não dependia de blusa alguma, vinha desde acima do cotovelo e terminava nos punhos. Era bonita a mulher, como quase todas as comissárias. Roberto a imaginou nua, trajando apenas aqueles panos elásticos brancos que lhe cobriam os braços.
Ao chegar à capital federal, ainda era cedo para apresentar-se na Universidade. Faria uma palestra em que o tema era a literatura e os jovens autores. Um táxi que o aguardava levou-o a um hotel elegante no Setor Hoteleiro Norte. Reparou a vasta recepção, a elegância dos funcionários e o modo como o receberam. Ficou hospedado no décimo quinto andar. Ao chegar ao apartamento, já com as duas malas repousando junto à mesa lateral, deu alguns passos até a janela e pode reparar a vasta paisagem. O prédio era alto para o nível de construção da capital; podia ver algumas quadras, o eixo monumental, e mesmo os automóveis que circulavam distantes.
A palestra não foi o principal acontecimento para ele. Encontrara diversos amigos, conversara com todos sobre cultura e literatura. Foi procurado por alguns jovens que queriam estrear no mercado editorial; autografou alguns exemplares de seu último livro; aceitou examinar, mais tarde, algum manuscrito. Mas o principal foi a ida a um restaurante a convite de um amigo que viera de São Paulo. Beberam e comeram à vontade. O amigo era muito mulherengo e já marcara um encontro com duas jovens, daí o convite para que Roberto o acompanhasse.
Elas chegaram às dez e trinta, uma hora depois desde a chegada dos dois Vestiam roupas curtas. Roberto achou as moças um tanto extravagantes.
“Não gosto de falar de literatura, gosto de beber e de mulheres”, dissera-lhe o amigo.
Roberto, depois de ter tomado duas doses de uma cachaça interiorana, bebida boa, artesanal, começou a achar que Ramon tinha razão. A que levavam as conversas sobre literatura? Debatiam-se livros que quase ninguém lia; a seguir, as pessoas queriam saber particularidades da vida do autor. As mulheres, sim, elas eram sempre falsas, mentiam; mas nisso, ao menos, existia uma verdade; até mesmo um cego a enxergaria. Apesar de todo o fingimento, de toda a maquiagem material e espiritual, eram pessoas indispensáveis.
Roberto, porém, descobriu que elas eram prostituas.
“E quem não é?, disse o amigo no momento em que as duas pediram licença para ir ao toalete. E repetia para ver se Roberto acordava para aquela verdade: “E quem não é?”
Em seguida, o garçom chegou com mais duas doses. Uma de Black Label para Ramon e a cachaça para Roberto.
“As pessoas se vendem por qualquer preço; veja, o próprio capitalismo tornou ético tudo que antes era denominado prostituição. Você pode trabalhar para alguém, caso encontre outra pessoa que lhe pague mais, você muda imediatamente. Mas essa já é uma conversa antiga, vamos prestar atenção nas mulheres, e elas já estão voltando.”
Elas sorriram e sentaram-se. Evitavam bebidas alcoólicas. Eram bonitas, apesar de as prostitutas não terem muito essa qualidade. Uma delas tinha o cabelo preto, ele descia pesado até a metade das costas. Sorria sempre. A outra tinha o cabelo mais claro e mostrava-se séria. Bastava, porém, algum elogio partido de um dos homens para que ela abrisse um meio sorriso. Quase não falavam; esperavam a iniciativa deles.
Roberto e Ramon evitaram assuntos intelectuais. Preferiam conversar sobre o que viam no cardápio. As duas mulheres não fizeram questão de pedir algo para comer, pareciam não ter fome. De soslaio, Roberto olhou para as pernas da morena; cruzara-as talvez sem intenção de mostrar parte das coxas. O vestido não era muito curto, mas na posição em que ela se encontrava, ele subira.
Talvez um dos problemas de sair com prostitutas seja esse, pensou Roberto. Elas quase não falam, talvez apenas se interessem pelo ganho financeiro que terão durante a noite. O fato de elas nada falarem o incomodava. Seu amigo, porém, não se afetava com isso. Ele logo perguntou se elas estavam acostumadas a vir àquele restaurante. A reposta foi dada imediatamente pela morena, dizendo que iam com mais frequência aos restaurantes que se situavam do outro lado, após a terceira ponte. A de cabelos mais claros chamava-se Letícia; ela pôs-se a comentar sobre os restaurantes mais badalados da capital. Roberto ficou a ouvi-la; então notou que Angélica, a morena, descruzara as pernas, mas o vestido permaneceu no mesmo nível, deixando agora as duas pernas da mulher de fora. Letícia era a mais simpática. Acabou aderindo totalmente à conversa, comportando-se como uma pessoa que os conhecesse havia muito. Bebia seu coquetel sem que deixasse perceber para que estava ali.
Em determinado momento, Roberto pensou em Maria Zilda. Preocupou-se com o que ela poderia estar fazendo àquela hora. Não via o momento de voltar ao Rio para procurá-la e tê-la nos braços. Temeu que ela estivesse encenando mais uma de suas representações. Maria Zilda era uma mulher que lhe escapava totalmente do controle.
Ramon envolvera-se na conversa. Descobrira que uma delas era de Belo Horizonte. Não suspeitava que houvesse alguém de BH que pudesse exercer a profissão que as duas escolheram. Depois, sem que perguntasse, Letícia falou que viera a Brasília para estudar e que na verdade nunca deixara de fazê-lo. Estava numa faculdade do DF, cursava jornalismo.
Roberto ouviu parte da conversa e duvidou que ela soubesse escrever alguma coisa, ao menos a nível profissional, mas ocultou o que ele e o amigo faziam quando ela perguntou em que trabalhavam.
“Para o governo”, foi a resposta que haviam combinado.
“Oh, atendemos muita gente do governo.”
“Que bom, vocês então já estão acostumadas”, falou Ramon.
“De certo modo, sim; mas há alguns clientes que são extremamente desagradáveis. A proximidade do poder faz muitos pensarem que podem tudo.”
“Não é o nosso caso”, apressou-se Roberto, “depois, nem temos tanto poder assim.”
Deixaram o restaurante por volta da meia-noite e foram para o hotel. Não tiveram problemas ao subir com as mulheres. Por coicidência, estavavam hospedados no mesmo andar, cada um em um apartamento. Ranon escolheu Letícia.
Divertiram-se. Elas também gostaram. No meio da madrugada os dois falaram-se pelo telefone e combinaram trocar de mulheres. Angélica e Letícia saíram rápidas e mudaram de apartamentos; percorreram a pequena distância que separava os dois, sem vestir roupa alguma.
“É meu amigo, trabalha na Receita.”
Apresentou-o ao outro. O recém-chegado juntou-se a eles e a conversa tornou-se ainda mais animada.
Roberto gostou de apreciar aqueles três. Irradiavam um ar de felicidade e satisfação pelo local em que estavam e provavelmente pelos cargos que ocupavam na vida profissional.
Em outras mesas havia senhores dos mais variados tipos, mas a frquência do local primava por aqueles que tinham mais de quarenta anos. Algumas mulheres também almoçavam, sempre junto a dois ou três daqueles homens, todos tinham o aspecto de pessoas bem sucedidas. Em uma das mesas, uma jovem falava ao telefone, seu cabelo castanho descia sobre o ombro esquerdo numa enorme mecha.
Quando acabou a refeição principal, o garçom veio perguntar-lhe se estava satisfeito. Agradeceu. Disse que se sentia muito feliz por estar ali. O empregado apontou-lhe a mesa das sobremesas. Roberto levantou-se e rodeou o local. Decidiu comer um pequeno doce de cor amarela. Depois agradeceu muito, pagou a conta e saiu.
Já fora do restaurante, caminhou pelo salão onde ficam os cafés e as lanchonetes. Olhou uma coisa e outra, deu-se com as lojas que vendiam lembranças do Brasil, como café, cachaça, perfumes e outras miudezas. Depois olhou a livraria. Deu alguns passos mudando de direção e viu a grande lanchonete do Café Palheta. Sentiu vontade de tomar chá preto. Perguntou a uma das funcionárias se a casa servia chá. Ela disse que sim. Ele dirigiu-se ao caixa e pediu a bebida. Quando se encontrava em uma das mesas, observou uma mulher muito bonita, que vinha descontraída; ela sentou-se em uma das mesas próximas. Destacava-se das outras pessoas porque usava vestido preto curto, que saía por baixo de uma jaqueta branca de algodão; a jaqueta ia aberta. A mulher provavelmente ouvia música; era possível observar os fones que tinha no ouvido. Ela sorriu, talvez para ela mesma, tomou nas mãos o telefone e fez uma ligação. Soltou um dos fones, sua voz fez-se ouvir; abriu um sorriso ainda maior e pareceu falar com alguém a quem chamava de amor. Enquanto se manteve sentada, cruzara as pernas; apareceram-lhe as grossas coxas nuas. Roberto ficou a observá-las e achou-se pequeno para uma mulher daquele tipo. As pernas compridas dela com a sandália alta nos pés ressaltavam a elegância da jovem. Ele pensou um pouco mais e concluiu que, na verdade, nada tinha que o diminuísse perante uma mulher daquele tipo. Viu que ela virou-se e olhou para ele algumas vezes; mantinha o sorriso. Como ainda estava ao telefone, não sabia se o sorriso era para ele ou para a pessoa com quem falava. Quando desligou o aparelho, sua primeira ação foi colocar novamente os fones no ouvido. Ainda permaneceu à mesa durante alguns segundos, depois se levantou e partiu em direção a uma das lanchonetes. Trazia uma bolsa dependurada a um dos ombros e via-se um casaco de malha grossa amarrado elegantemente à própria bolsa. Depois que ela se foi, Roberto levantou-se e deu mais uma volta pelas lojas; caminhou até a proximidade dos caixas eletrônicos; quando voltou e dirigia-se à escada rolante, deu-se mais uma vez com a mulher; ela caminhava em sentido contrário. Roberto olhou mais uma vez para o seu rosto, depois para o vestido curto e, por fim, para suas coxas nuas. Foi a última vez que a viu.
Durante o vôo para Brasília, Roberto leu uma revista de poesia. Na verdade, ela aparentava mais um livro, devido ao formato e tamanho. Muitos autores escreviam nela, poetas, sobretudo, e de vários países. O exemplar que ele portava tinha o autógrafo do organizador, um poeta conhecido. Roberto comparecera ao lançamento.
Ao seu lado, a poltrona ia vazia, mas na seguinte havia uma jovem, talvez tivesse dezoito ou dezenove anos. Ele sorriu algumas vezes; aqueles sorrisos que as pessoas expressam muitas vezes em viagens, quando não tem o que dizer. Sempre há alguém que é solidário durante um espaço de tempo em que se tem de conviver juntos, mas, ao mesmo tempo, não se deseja conversar, apenas um sorriso de simpatia. A moça lia a revista Seleções. Interessante, pensou ele, não via ninguém ler essa revista havia muito. Voltou-se para o livro de poesias. A comissária passou rápida e sorriu também. Ele reparou que ela usava nos braços uma espécie de manga comprida, mas que não dependia de blusa alguma, vinha desde acima do cotovelo e terminava nos punhos. Era bonita a mulher, como quase todas as comissárias. Roberto a imaginou nua, trajando apenas aqueles panos elásticos brancos que lhe cobriam os braços.
Ao chegar à capital federal, ainda era cedo para apresentar-se na Universidade. Faria uma palestra em que o tema era a literatura e os jovens autores. Um táxi que o aguardava levou-o a um hotel elegante no Setor Hoteleiro Norte. Reparou a vasta recepção, a elegância dos funcionários e o modo como o receberam. Ficou hospedado no décimo quinto andar. Ao chegar ao apartamento, já com as duas malas repousando junto à mesa lateral, deu alguns passos até a janela e pode reparar a vasta paisagem. O prédio era alto para o nível de construção da capital; podia ver algumas quadras, o eixo monumental, e mesmo os automóveis que circulavam distantes.
A palestra não foi o principal acontecimento para ele. Encontrara diversos amigos, conversara com todos sobre cultura e literatura. Foi procurado por alguns jovens que queriam estrear no mercado editorial; autografou alguns exemplares de seu último livro; aceitou examinar, mais tarde, algum manuscrito. Mas o principal foi a ida a um restaurante a convite de um amigo que viera de São Paulo. Beberam e comeram à vontade. O amigo era muito mulherengo e já marcara um encontro com duas jovens, daí o convite para que Roberto o acompanhasse.
Elas chegaram às dez e trinta, uma hora depois desde a chegada dos dois Vestiam roupas curtas. Roberto achou as moças um tanto extravagantes.
“Não gosto de falar de literatura, gosto de beber e de mulheres”, dissera-lhe o amigo.
Roberto, depois de ter tomado duas doses de uma cachaça interiorana, bebida boa, artesanal, começou a achar que Ramon tinha razão. A que levavam as conversas sobre literatura? Debatiam-se livros que quase ninguém lia; a seguir, as pessoas queriam saber particularidades da vida do autor. As mulheres, sim, elas eram sempre falsas, mentiam; mas nisso, ao menos, existia uma verdade; até mesmo um cego a enxergaria. Apesar de todo o fingimento, de toda a maquiagem material e espiritual, eram pessoas indispensáveis.
Roberto, porém, descobriu que elas eram prostituas.
“E quem não é?, disse o amigo no momento em que as duas pediram licença para ir ao toalete. E repetia para ver se Roberto acordava para aquela verdade: “E quem não é?”
Em seguida, o garçom chegou com mais duas doses. Uma de Black Label para Ramon e a cachaça para Roberto.
“As pessoas se vendem por qualquer preço; veja, o próprio capitalismo tornou ético tudo que antes era denominado prostituição. Você pode trabalhar para alguém, caso encontre outra pessoa que lhe pague mais, você muda imediatamente. Mas essa já é uma conversa antiga, vamos prestar atenção nas mulheres, e elas já estão voltando.”
Elas sorriram e sentaram-se. Evitavam bebidas alcoólicas. Eram bonitas, apesar de as prostitutas não terem muito essa qualidade. Uma delas tinha o cabelo preto, ele descia pesado até a metade das costas. Sorria sempre. A outra tinha o cabelo mais claro e mostrava-se séria. Bastava, porém, algum elogio partido de um dos homens para que ela abrisse um meio sorriso. Quase não falavam; esperavam a iniciativa deles.
Roberto e Ramon evitaram assuntos intelectuais. Preferiam conversar sobre o que viam no cardápio. As duas mulheres não fizeram questão de pedir algo para comer, pareciam não ter fome. De soslaio, Roberto olhou para as pernas da morena; cruzara-as talvez sem intenção de mostrar parte das coxas. O vestido não era muito curto, mas na posição em que ela se encontrava, ele subira.
Talvez um dos problemas de sair com prostitutas seja esse, pensou Roberto. Elas quase não falam, talvez apenas se interessem pelo ganho financeiro que terão durante a noite. O fato de elas nada falarem o incomodava. Seu amigo, porém, não se afetava com isso. Ele logo perguntou se elas estavam acostumadas a vir àquele restaurante. A reposta foi dada imediatamente pela morena, dizendo que iam com mais frequência aos restaurantes que se situavam do outro lado, após a terceira ponte. A de cabelos mais claros chamava-se Letícia; ela pôs-se a comentar sobre os restaurantes mais badalados da capital. Roberto ficou a ouvi-la; então notou que Angélica, a morena, descruzara as pernas, mas o vestido permaneceu no mesmo nível, deixando agora as duas pernas da mulher de fora. Letícia era a mais simpática. Acabou aderindo totalmente à conversa, comportando-se como uma pessoa que os conhecesse havia muito. Bebia seu coquetel sem que deixasse perceber para que estava ali.
Em determinado momento, Roberto pensou em Maria Zilda. Preocupou-se com o que ela poderia estar fazendo àquela hora. Não via o momento de voltar ao Rio para procurá-la e tê-la nos braços. Temeu que ela estivesse encenando mais uma de suas representações. Maria Zilda era uma mulher que lhe escapava totalmente do controle.
Ramon envolvera-se na conversa. Descobrira que uma delas era de Belo Horizonte. Não suspeitava que houvesse alguém de BH que pudesse exercer a profissão que as duas escolheram. Depois, sem que perguntasse, Letícia falou que viera a Brasília para estudar e que na verdade nunca deixara de fazê-lo. Estava numa faculdade do DF, cursava jornalismo.
Roberto ouviu parte da conversa e duvidou que ela soubesse escrever alguma coisa, ao menos a nível profissional, mas ocultou o que ele e o amigo faziam quando ela perguntou em que trabalhavam.
“Para o governo”, foi a resposta que haviam combinado.
“Oh, atendemos muita gente do governo.”
“Que bom, vocês então já estão acostumadas”, falou Ramon.
“De certo modo, sim; mas há alguns clientes que são extremamente desagradáveis. A proximidade do poder faz muitos pensarem que podem tudo.”
“Não é o nosso caso”, apressou-se Roberto, “depois, nem temos tanto poder assim.”
Deixaram o restaurante por volta da meia-noite e foram para o hotel. Não tiveram problemas ao subir com as mulheres. Por coicidência, estavavam hospedados no mesmo andar, cada um em um apartamento. Ranon escolheu Letícia.
Divertiram-se. Elas também gostaram. No meio da madrugada os dois falaram-se pelo telefone e combinaram trocar de mulheres. Angélica e Letícia saíram rápidas e mudaram de apartamentos; percorreram a pequena distância que separava os dois, sem vestir roupa alguma.
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