quinta-feira, junho 06, 2013

Se houvesse sol - 1

A partir de hoje passo a publicar, em capítulos, o meu novo romance. Espero que o apreciem. Agradeço.

Ele passou na faixa de areia entre o mar, que explodia em rendas desfiadas, e a pequena falésia. Era alto e jovem. Eu lia uma revista e ao mesmo tempo tentava dar conta do que acontecia à minha volta. Havia pouca gente na praia, um guarda-sol ou outro, a maioria eram mulheres sozinhas ou acompanhando crianças. Continuou o seu caminho. Não se tratava de uma caminhada de esportista ou de alguém interessado em andar para melhorar a condição física, era alguém que andava por andar, talvez por achar enfadonho permanecer no mesmo lugar. Parecia absorto. Lembro-me ainda que voltou o rosto para o mar uma ou duas vezes; depois, desapareceu. Momentos mais tarde fez o caminho de volta. Suas passadas eram como as da ida. Notou então que eu o olhava. Mesmo que continuasse acompanhando sua marcha, sei que jamais viria falar comigo. Era o jeito dele.

No dia seguinte, voltei à praia. O mesmo sol, quase as mesmas pessoas. A cena se repetiu. Então lhe acenei. Perguntei se tinha fogo. Mas ele não fumava. Ao reparar que eu teria de renunciar ao cigarro, acho que por gentileza pediu que eu aguardasse. Voltou com um isqueiro. Ignoro onde o arranjou. Não acendeu meu cigarro. Apenas emprestou-me o isqueiro. Acendi e devolvi.

Obrigada", meu sorriso pareceu agradá-lo. Embora tenha também sorrido, partiu em seguida.

Demorou uma semana para que eu o visse de novo. Não  lembro se era quarta ou quinta-feira. Acenei num sinal de cumprimento. Sorri. Ele fez os mesmos gestos, mas não parou. Mais ou menos uma hora depois vinha de volta. Como não queria perdê-lo, chamei-o.

“Passeando?”, perguntei.

“Dando umas voltas.”

“Mas a praia é em linha reta”, sorri.

“Como?”, pareceu não entender.

“É uma brincadeira, não me leve a mal.”

Durante o breve diálogo, mantive-me de pé, olhando durante quase todo o tempo para ele.

“Meu nome é Célia, e o seu?”

“Daniel.”

“Você toma banho de mar?”, continuei.

“Tomo.”

“Mas vejo apenas você caminhando...”

“Mergulho mais tarde.”

“Vamos mergulhar?”, sugeri.

“Vamos.”

E fomos nós dois para dentro d’água.

A água do mar estava fria, mas não deixamos de nos divertir. Mergulhamos diversas vezes, cortamos várias ondas. Ao voltarmos à superfície eu sorria para ele enquanto uma enorme quantidade de água escorria pelos nossos cabelos e rostos. Sempre tentávamos observar as ondas para não sermos surpreendidos por uma ou outra de maior tamanho. Meu recente amigo tinha intimidade com o mar, mostrou-se bom nadador.

Voltamos para junto do meu guarda-sol. Enxuguei-me com uma grande toalha e a ofereci a ele. Não desejava esperar que os mornos raios de sol me secassem.

“Fique um pouquinho”, pedi.

Ele olhou para o céu como se consultasse alguma coisa. Acho que se certificou de que o sol ia alto e que não desapareceria. Depois se voltou para mim e sentou-se na areia, ao lado da cadeira onde momentos antes eu sentara.

Durante algum tempo, que me pareceu enorme, ficamos olhando na direção do mar, um vento ainda brando nos acariciava.

“Você vem à praia todos os dias?”, perguntei.

“Tento vir.”

“É bom poder aproveitar a vida à beira-mar, tanto mais numa cidade tranquila como a nossa.”

“Você acha M. tranquila?”

“Pelo número de habitantes, sim. Mas depende também da vida que se leva.”

“É, depende da vida que se leva”, pareceu gostar das minhas últimas palavras. “Você não trabalha?”

“Depende do que se entende por trabalho”, respondi. “Às vezes vir até aqui e permanecer sob o sol é um tipo de trabalho, não é mesmo? Ajuda no que é preciso fazer depois.”

“E o que você faz depois?”

“Espero chegar o dia seguinte.”

Riu.

“Acho que vou ter de ir, tenho um compromisso.”

“Então vá, não há problema algum, a gente se vê depois.”

Despediu-se e se foi. Quando já havia dado alguns passos, falou:

“Estou sempre aqui pela manhã.”

Acenei e sorri antes que me desse as costas.

Depois que ele se foi, concentrei-me na leitura de uma revista. Era uma dessas revistas semanais que trazem a vida de modelos e de artistas, objetos e roupas da moda, muita propaganda e história de pessoas famosas. Havia uma página em que uma atriz americana contava o seu primeiro trabalho para um comercial em que tinha de ficar nua da cintura para cima. Eis as palavras da mulher:

Era uma propaganda de jeans e a cena não era difícil, mas como eu não estava acostumada a tirar a roupa na frente de tanta gente, fiquei um pouco nervosa. O diretor dizia: “são todos profissionais, não temos tempo a perder, caso você queira desistir há milhares de garotas que estão dispostas a posar nua de graça.”

Eu estava já sem a blusa, mas envolta numa pequena toalha. Ele continuava: “Vamos, não posso perder tempo, tenho outros compromissos para hoje.”

“Espere um instante, por favor, dê-me mais cinco minutos que eu consigo”, pedi

“Apenas cinco minutos, caso contrário contratamos outra pessoa.”

Voltei desesperada ao camarim. Ele ficava numa caminhonete que tinha cortinas nas janelas. Para me deixar ainda mais nervosa, filmávamos ao ar livre. Um dos assistentes correu atrás de mim e me ofereceu uma dose de uma bebida que naquele momento eu não soube identificar.

“Beba isso, você vai relaxar.”

Depois de alguns minutos, confesso que me senti ótima, totalmente solta. Saí do camarim até mesmo sem o pano que me cobria os seios. O diretor olhou surpreso:

“Vamos, então?”

Sorri e disse sedutora:

“Agora!”

As fotos ficaram lindas. Pedi para escolher qual gostaria que fizesse parte da campanha publicitária. Eles concordaram e acabaram também opinando que a minha escolha era a melhor. Depois, ao me ver na capa dupla das principais revistas com os seios à mostra e vestindo apenas a calça jeans e o sapato preto de salto, senti uma ponta de vergonha. Mas o que há de se fazer? É a minha profissão.

Algumas semanas depois, o mesmo assistente que me dera a bebida telefonou e me convidou para sair. Marcamos o encontro num dia de semana, à noite. Ele me pegou em casa.

“Que bebida foi aquela que você me ofereceu naquele dia?”, perguntei, “me senti tão corajosa.”

“É segredo. Mas se você quiser vamos até lá em casa que eu dou a você mais uma dose.

Aceitei, queria descobrir o segredo.

Não digo o que aconteceu depois. Tomei a bebida e logo tirei a blusa de novo.


Continuei folheando a revista. A mulher não dissera o principal, se trepara ou não com o homem. Mas é lógico que deve ter trepado.

Quando senti o sol já a me queimar, dei mais um mergulho. Esperei meu corpo secar durante cinco ou dez minutos, recolhi o guarda sol e voltei para casa.

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