Estou num pequeno hotel, no centro de Macaé. Vim à cidade com a intenção de resolver um problema na sede local da Petrobras. Sempre quando retorno ao hotel, no fim da tarde, reparo a mulher que sai de uma escola próxima. Ela, muito atraente, corresponde ao meu olhar. No terceiro
dia, espero por ela. Como não calcula com a minha atitude, passa ao meu
lado quase de cabeça baixa.
“Por favor, não se assuste”, falo, “pensei que eu estivesse
agradando.”
Ela sorri; passamos então a caminhar lado a lado.
“Como você se chama?”, é minha a primeira pergunta.
“Sueli.” Desde o começo se mostra econômica nas palavras.
“Você é da cidade?”, tento manter o diálogo.
“Sim”, sorri mais uma vez e interrompe a caminhada.
“Então, aqui parece ser um bom lugar.”
Ela meneia a cabeça, seus cabelos são lisos e seu rosto
tem traços de raça índia.
“Cheguei faz dois dias, trabalho na Petrobrás.”
“Aqui?”, surpreende-me a pergunta.
“Não, no Rio, vim para um trabalho especial.”
Não sei se é apenas impressão, mas acho que sua
fisionomia apresenta alguma tristeza.
“Que tal irmos a algum lugar?”, sugiro.
“Hoje?”
“Isso, hoje. Que tal?”
“Hoje, não; quem sabe amanhã?”
Volto ao hotel e fico no apartamento vendo televisão.
Mais tarde tento telefonar para ela, mas a ligação cai várias vezes na caixa
postal.
Ao passar pelo mesmo local em que a vi no dia anterior, olho para a escola. Mas não vejo Sueli. Penso em entrar e perguntar por
ela, mas mal sei em que trabalha. Será ela professora? A escola parece atender às primeiras séries. Permaneço no local durante uns bons vinte minutos, mas nada de ela aparecer. Tiro o celular do bolso. Quando estou tentando seu número, vejo que lá adiante vem ela. Seus passos são rápidos, caminha na minha direção. Ao me alcançar para, me cumprimenta e espera que eu tome a iniciativa. Veste um vestido florido, mais curto do que o da véspera, traz sob um dos
braços uma bolsa cheia de papéis.
“Vamos?”, pergunto.
Faço sinal ao táxi que está parado junto a um
restaurante.
“Aonde vamos?”, pergunta.
“À orla marítima. Que tal comermos e bebermos alguma coisa?”
Nada responde. Interpreto seu silêncio como sinal de aprovação.
Entramos no táxi e o motorista dá a partida.
No bar escolhido por ela, podemos apreciar o mar. Está azul e calmo. Como ainda brilha o sol,
algumas pessoas andam pela areia, um ou outro se aventura ao banho de mar.
“Você costuma frequentar a praia?”, aponto com face de
contentamento.
“Só no verão.”
“Mas está tão quente, até parece verão.”
“Gosto de vir à praia quando estou de férias.”
“Quando você está sem preocupação, com a cabeça leve, não?”
“Isso mesmo.”
“Você vive sozinha?”, o garçom
chega com nossas bebidas.
“Tenho filhos, mas moro sozinha. Eles já são adultos.”
Brindamos. Tomo um longo gole do meu chope. Ela antes admira o seu copo cheio; depois, com suavidade, toma um gole.
“Você é professora daquela escola?”
“Sim.”
“É bom ser professora?”
“É melhor namorar”, pela primeira vez abre um largo
sorriso. Reparo em seu rosto um certo ar provinciano, que lhe acentua a beleza.
“Você gosta de namorar, então?”
“E quem não gosta?”
O bar tem alguma frequência àquela hora, ela tenta descobrir alguém conhecido.
“Você vem sempre aqui?”, continuo meu interrogatório.
“Vinha quando tive um namorado.”
“E ele se foi.”
“Mais ou menos.”
“Agora, você procura outro”, afirmo em tom de pergunta.
“Mais ou menos.”
“Como se pode ter um namorado mais ou menos?”, termino a
frase em tom de deboche.
“Podemos, sim.”
“Já sei, alguém que é e não é namorado ao mesmo tempo”,
defino a questão.
“Você é inteligente”, ri, “por isso trabalha na Petrobras.”
“Vou dizer a você algo importante: trabalhar na Petrobras não é
tão difícil. O mais difícil hoje é arranjar uma namorada.”
Seu rosto se ilumina mais uma vez.
“Para os homens é mais fácil do que para as mulheres”, diz.
“Você é mulher e parece ter sorte.”
“Tenho sim, sempre aparece alguém.”
O garçom chega com um petisco. Coloca o prato diante de
nós e deseja bom apetite. Ela me olha, não quer ser a primeira a beliscar.
“Você tem jeito de que é misteriosa. Acho que tem muitos
segredos.”
“Sempre se tem algum segredo. Você também deve ter um”, afirma.
“Eu, um segredo?”
“Tem, sim. Mas fique tranquilo, não precisa me contar.”
“Mas eu gosto de saber segredos. Você me conta o seu?”,
pergunto meio indolente.
“É segredo, não posso contar.”
“Se você conta só pra um e este não leva adiante, continua
segredo.”
“Verdade. Você promete guardar?”
“Prometo.”
“Promete guardar e não tirar proveito?”
“Guardo, sim; mas não tirar proveito não faz parte do segredo”,
falo e depois caímos os dois numa gostosa gargalhada. O garçom traz outro
chope para mim, ela diz que tudo está muito gostoso.
“Ok, vou contar o meu segredo. Mas antes observe como
está lindo o anoitecer, não é mesmo?”
“Sim, está. Mas o segredo....”
“Escute, então. Esta cidade não é grande nem pequena, você
concorda?”, espera a minha resposta para continuar.
“Concordo.”
“Quem vive aqui, conhece muita gente. Todo lugar aonde se
vai se encontra um colega, ou mesmo um amigo.”
“Sim”, me mantenho interessado.
“Num lugar assim, já tive dois namorados, ao mesmo tempo, é
claro.”
“Este é o seu segredo?”
Ela bebe um gole do chope, pousa o copo sobre a mesa e
olha em volta.
“Aqui mesmo, já vi três pessoas conhecidas.”
“Já que você é tão namoradeira, não quer ter o terceiro
namorado?”
Ela sorri. “Terceiro, não; agora só tenho paqueras; caso
arranje algum, vou ter apenas um.”
Ficamos no jogo de palavras. Eu galanteando a morena, e ela
cheia de dengo.
“O que você ensina pras suas crianças?”
“Muitas coisas.”
“Eles parecem muito pequenos.”
“São, sim. É uma turma de alfabetização.”
“E os pais, não reclamam de seus filhos terem uma professora
namoradeira?”
“Ah, não. Acho que nem sabem. Além disso, pais e mães também
namoram muito, e nem sempre um com o outro. Nessa cidade todos namoram, mesmo
os casados e as casadas. Sei cada história de arrepiar. As mulheres que têm
cara de santinhas são as piores”, seu sorriso cora mais uma vez a sua face.
Já é noite quando deixamos o restaurante. Faço de tudo para
levá-la ao meu hotel, ou mesmo a outro qualquer, mas ela não aceita.
“Não posso ir para hotel algum aqui, quase todos me
conhecem, tenho ex-alunos trabalhando em vários lugares, onde menos espero
aparece um. Se vou pra um hotel com você, amanhã estou na boca do mundo.”
“Como vocês fazem pra namorar por aqui?”
“Precisa ser em hotel de alguma cidade próxima, e mesmo
assim você deve me dizer antes a que hotel vai me levar.”
“Você quer dizer que não podemos dar uma namoradinha...”
“Não é isso, até podemos namorar, passar algumas horas
juntos, mas não em hotel.”
“Onde, então?”
Estamos dentro do carro, ainda na orla marítima.
“Tenho mais um segredo pra contar a você”, ela fala.
“Mais um?”
“Quer saber?”
“Conte, por favor.”
“Tive um namorado que adorava que eu fosse nua à praia, de
noite.”
“Totalmente nua?
“Eu usava uma saída de praia, dessas bem justinhas e curtas,
apenas isso.”
“E como vocês faziam?”
“Íamos pra um recanto de praia que ele descobriu, perto da
lagoa, é bem escuro, ninguém podia nos ver.”
“Você não acha isso mais perigoso do que ir a um hotel?”
“Não. Escute mais. Eu deixava o vestidinho no carro e corria com ele pela areia. Lógico que somente eu ficava nua. Tomava até banho de mar noturno. Você não imagina como é gostoso.”
“Ok, vamos fazer assim, então.”
“Você precisa arranjar um carro.”
“Arranjo.”
“Amanhã, então, a gente se encontra de novo.”
“Onde?”, pergunto. Meu coração se acelera por causa
do relato.
“Você me pega em casa?”
“Pego.”
“Então vou escrever o endereço. Ok, não perca. Você não imagina como as mulheres gostam de andar nuas.”
“Imagino, sim. Pego você às sete, tá?”
Sueli entra no carro com o vestidinho justo sobre o qual
falou no restaurante. Como as pessoas são imprevisíveis, penso, uma mulher
com jeito de equilibrada, uma professora da prefeitura com alunos e ex-alunos
por toda parte, mas que sente prazer em andar nua pela cidade.
“Nua pela cidade, não, apenas na praia”, diz como se tivesse ouvido meus pensamentos.
“Você vai entrar na água?”, pergunto quando já caminhamos
na areia.
“Depende, se a água do mar não estiver muito fria...”
“Você não tem medo de encontrar alguém, você com essa roupa
curta...”
“Você não está gostando?”
“Estou adorando, mas você disse que conhece muita gente.”
“Não vai aparecer ninguém, não; venha, me abrace", a seguir se despe e pede que eu guarde sua saidinha de praia no carro.
Será que preciso contar o desfecho dessa história?
Sueli se mostra uma mulher quentíssima,
transborda prazer, geme bastante e dá a impressão de que goza várias vezes. Trepamos pela primeira vez
logo que chegamos. Quando acabamos, ela vai até a beira d’água, espera que as espumas toquem seus pés, olha para mim e ri. Depois corre e mergulha de cabeça. Após alguns minutos, sai da água e vem ao meu encontro. Me abraça e me beija. Trepamos mais uma vez. A água do mar a torna mais delirante. No
final, sempre nua, caminha para o mar. Dessa vez, anda lentamente e espera que a água lhe invada o corpo, depois se abaixa e fica apenas com a
cabeça de fora.
Não digo a ela que também tenho o meu segredo. Na verdade, toda mulher gosta de homens um
pouquinho tarados. Muitas, por causa disso, vão além do arrepio. Também gosto
de mulheres nuas ao meu lado em lugares abertos, assim como o seu ex-namoradinho gostava, mas dou um passo à frente (ou um passo para igualá-lo, vá la saber). Depois de transar com Sueli duas vezes, sinto vontade de me esconder enquanto ela se banha, fazer de conta que fui embora. Quero observar a sua reação.
Mas eis ela a correr de novo, a se chegar junto a mim, a colocar os braços em volta do meu pescoço, a me beijar...
"Tenho outro segredo pra te revelar", diz.
"Já sei. Seu namoradinho fugiu e deixou você peladinha aqui na praia", arrisco.
"Isso mesmo. Mas tem mais uma coisa.
"O quê?"
"O que aconteceu depois; você não quer saber?"
"Claro, estou ansioso. Conte, por favor."
"Conto amanhã", sorri, "ou depois de amanhã", puxa-me pelo pescoço, "ou quem sabe qualquer dia desses", mais um beijo, e sempre o sorriso luminoso, astro prateado a completar o risco incerto da lua sobre a maré alta.